Cimeira termina sem luz verde da Bélgica ao acordo comercial com o Canadá
“A União Europeia não parece capaz neste momento” de assinar CETA, lamenta ministra canadiana. Janela para ultrapassar oposição da Valónia fecha-se dentro de dias.
Horas de negociações, prazos ultrapassados, responsáveis à beira das lágrimas, conferências de imprensa sarcásticas: tudo por causa da oposição de uma pequena região da Bélgica, a Valónia, de 3,5 milhões de pessoas, ao tratado entre a União Europeia (507 milhões de habitantes) e o Canadá, que está em risco de falhar.
Os responsáveis europeus, reunidos numa cimeira em Bruxelas, não conseguiram aprovar o acordo de comércio livre entre a União Europeia e o Canadá (CETA), devido à oposição da região belga da Valónia: ao fazer o texto ser votado pelos parlamentos nacionais de cada Estado-membro, a Comissão abriu a porta a que todas regiões belgas fossem também ouvidas, e a Valónia levantou objecções ao acordo e recusa-se a aprová-lo.
A ministra do Comércio Internacional do Canadá, Chrystia Freeland, encontrou-se com responsáveis do governo valão e falou aos jornalistas à beira das lágrimas, declarando o “fim” das negociações. Freeland notou que “a União Europeia não parece capaz neste momento” de assinar um acordo comercial nem com um país “com valores tão europeus” e “tão simpático” como o Canadá. “Estou muito desiludida”, disse. “A única coisa boa é que vou voltar para casa.”
A Comissão Europeia fez saber que interpretava as palavras da ministra canadiana como “uma pausa” nas negociações e mantinha-se confiante na possibilidade de conseguir um acordo. Antes, o presidente, Jean-Claude Juncker, tinha recorrido ao sarcasmo criticando a oposição da Valónia: “Assinámos um acordo comercial com o Vietname, que é mundialmente conhecido por aplicar todos os princípios da democracia, e ninguém levanta a voz. Agora com o Canadá, que é uma ditadura como todos sabemos, toda a gente diz que não respeitamos os direitos humanos”, ironizou.
Os representantes da região belga tinham dito que havia avanços na discussão, “muito construtiva”, em questões ligadas à agricultura. Mas mantinham as suas reservas em relação ao mecanismo de regulação de possíveis conflitos entre os Estados e as multinacionais.
O chefe do governo da Valónia, Paul Magnette, sob pressão para aceitar um acordo que quase todos querem, declarou: “Não é porque somos os únicos que estamos forçosamente errados”.
Todos os outros países concordam com o CETA, que foi negociado durante cinco anos. A Roménia e a Bulgária, que tinham expressado dúvidas, deixaram-nas cair depois de Otava aceitar o fim da exigência de vistos para os cidadãos dos dois países.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse ao PÚBLICO que Portugal “apoia a 100%” tanto ao CETA como o acordo semelhante com os EUA, o TTPI. Santos Silva acrescenta que o mecanismo de arbitragem previsto no acordo com o Canadá – um conjunto de juízes que avaliariam estes casos – é suficiente.
Apesar da dramatização, o prazo real para a aprovação do acordo pela Valónia só expira na segunda-feira de manhã, diz o correspondente da emissora alemã Deutsche Welle em Bruxelas, Maximilian Hofmann. Um entendimento nessa data permitiria ainda completar os procedimentos para a assinatura do acordo durante a cimeira UE-Canadá, na próxima quinta-feira, com a presença do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau em Bruxelas.
A questão do CETA dominou completamente o segundo dia da cimeira europeia, que terminou ainda com outros dois impasses, nas questões da distribuição dos refugiados pelos vários Estados-membros da UE (a quota proposta pela Comissão não é aceite por vários Estados) e nas acções contra a Rússia pelos bombardeamentos em Alepo, na Síria, com a Itália a discordar da aplicação de novas sanções a Moscovo.