O que tem o programa espacial dos EUA que o da Europa não tem? “Mais dinheiro”
Aterrar o módulo Schiaparelli não era uma prioridade, defendem Robert Braun (que trabalhou na missão Pathfinder) e Stephen Petranek (perito em Marte).
Um é engenheiro aeroespacial e trabalhou na missão Mars Pathfinder, o outro é editor na área da ciência e escreveu Mars – Our future on the red planet. E tanto Robert Braun quanto Stephen Petranek consideram que o destino do módulo espacial Schiaparelli pode ter tudo a ver com dinheiro e recursos – “se aterrar não for o principal objectivo da missão, provavelmente não vai receber os recursos necessários”, comentou Braun em Londres na véspera de a Agência Espacial Europeia (ESA) ter confirmado (na sexta-feira) que o seu módulo que tinha aterrado em Marte, a meio da semana passada, tinha embatido contra o planeta vermelho.
O destino do Schiaparelli foi um dos temas inevitáveis da apresentação à imprensa da série Mars, do canal National Geographic, que mistura documentário actual sobre o que está a ser feito para colocar humanos em Marte com ficção sobre a primeira equipa a chegar ao planeta vermelho. Questionado sobre o que é que falta aos europeus que os norte-americanos têm para aterrar módulos em Marte, Stephen Petranek tinha a resposta na ponta da língua: “Mais dinheiro.”
“Até certo ponto, é tudo uma questão de dinheiro. Os americanos têm mais experiência. E muito disso tem a ver com recursos e capital e quanto dinheiro se tem para gastar”, disse o autor do livro Mars – Our future on the red planet, que serve de base à série que se estreia em Portugal a 13 de Novembro e que terá edição portuguesa na mesma altura. Tanto ele como Braun são consultores da série televisiva.
Robert Braun é professor tecnologia espacial no Instituto de Tecnologia da Georgia e, além de ter trabalhado na missão Mars Pathfinder entre 1992 e 1997, foi também, desde 2010, responsável máximo do programa de tecnologia da NASA, a agência espacial norte-americana. Deixou-a passado pouco tempo, em 2011, depois de ter criado um programa de tecnologia espacial e de ter defendido que a agência necessitava de mais financiamento para poder cumprir a sua missão – as verbas são um tema que conhece bem. No caso do Schiaparelli, disse num encontro com jornalistas em que o PÚBLICO esteve presente em Londres, “estimaria que 90% dos recursos estão na sonda em órbita [a Trace Gas Orbiter] porque cientificamente é a missão que a ESA tem como prioridade”.
“O módulo de aterragem é um acrescento, chamaram-lhe uma missão de demonstração tecnológica”, recorda o cientista. “O verdadeiro módulo de aterragem é o ExoMars, que chegará talvez daqui a quatro anos – essa missão está a ser bem financiada porque é a principal missão científica. Aterrar em Marte é difícil e, se for a prioridade secundária…”, sugeriu. O Schiaparelli faz parte da primeira fase da missão ExoMars e terá custado 230 milhões de euros. A ida de um rover a Marte custará à parceria entre a ESA e a Rússia outros 300 milhões de euros. O total da missão custará mais de 1300 milhões de euros.
Braun, pausado, recorda: “Nas missões em que trabalhei tínhamos uma equipa de 20 a 100 pessoas só dedicadas à aterragem, ao longo de cinco anos, para preparar aqueles cinco ou seis minutos do voo. É um momento de tudo ou nada, um evento binário e é preciso muito planeamento, design e testes para que tudo esteja certo. E se não for o principal objectivo da missão, provavelmente não vai receber os recursos ideais necessários.” Ainda assim, alinha com a ESA, que continua a considerar a missão um sucesso na perspectiva da sonda em órbita – “aquela sonda vai ser uma arca do tesouro científica”.
As dificuldades de aterragem em Marte prendem-se com a densidade da sua atmosfera e com as dificuldades subsequentes em perder velocidade para evitar um impacto destruidor com a superfície do planeta, explicaram os dois peritos. A Terra é “um planeta maravilhoso para a abrandar”, elogiaram comparativamente. “Temos uma atmosfera espessa que permite abrandar, chegar a velocidades subsónicas a 60 quilómetros de altitude e fazer uma descida gradual até à superfície. Quando se tenta aterrar em Marte, tenta-se fazer isso a 30 ou 40 quilómetros de altitude e a densidade da atmosfera é tão fina que é muito difícil abrandar antes de atingir a superfície”, explica Braun. “A atmosfera em Marte é 1/100 da densidade da atmosfera da Terra”, frisa Petranek.
Quanto ao futuro do trabalho da ESA, Braun é taxativo: “Sei que estão a trabalhar muito no módulo de aterragem ExoMars, que é um tudo ou nada. Esse rover só será bem sucedido se aterrar em segurança” e, detalha, terá um “sistema de aterragem bastante diferente daquele que estavam a tentar demonstrar com o Schiaparelli”. Por isso mesmo, considera o engenheiro aeroespacial, o teste com este mais recente módulo “ajuda de algumas maneiras, mas de outras não era directamente alinhado com o ExoMars”, pelo que não será um indicador do sucesso ou insucesso da futura missão.