“Imposto Mortágua”: “Nós não controlámos tudo”
Entrevista com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos.
O responsável pelas relações entre o Governo, o BE, o PCP e o PEV assume que foi apanhado desprevenido perante uma fuga de informação sobre que estava a ser negociado um novo imposto sobre o património imobiliário.
A propósito da criação do imposto que ficou conhecido como “imposto Mariana Mortágua”, quais são as responsabilidades que tem na polémica pública que foi criada?
Quem? Eu?
É o elo de ligação, o coordenador dos grupos de trabalho.
Mas não tenho a responsabilidade naquilo que são fugas de informação para os jornais.
Foram conferências de imprensa.
É das coisas mais difíceis desta vida política é quando acontece uma notícia e depois alguém tem de actuar de uma determinada maneira - e já ninguém vai fazer a história.
Está gravado nas televisões, os vídeos estão no Youtube. Mariana Mortágua deu uma conferência de imprensa no Parlamento.
Isso é um facto.
... e disse que estava em debate essa medida. Seguiu-se uma conferência de imprensa de Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, e o deputado do PCP Paulo Sá, a seguir, também falou. Eu presumo que os três tenham coordenado consigo, que o tenham avisado.
Peço desculpa, mas é a minha vez de explicar o que aconteceu. Até já foi feito um editorial do jornal onde saiu a noticia a explicar todo o processo. Infelizmente, por mais vezes que tenhamos explicado o que aconteceu, ninguém quis saber.
Desculpe, mas as declarações de Mariana Mortágua não são uma noticia de jornal.
As declarações não são. Mas porque é que as declarações são feitas é que não corresponde à verdade. Na quarta-feira, nós temos todos a informação de que o Jornal de Negócios tinha o desenho avançado de uma medida que estaria a ser negociada com os parceiros, nomeadamente dentro do grupo de trabalho de política fiscal onde estava o BE e o PS. A medida também estava a ser trabalhada com o PCP, mas não nas mesmas reuniões. Nós sabemos que o jornal ia avançar com a noticia de que ia haver um imposto que estava a ser trabalhado entre o PS e o BE. E foi nesse quadro que se conversou sobre a forma como se ia reagir, para que não se corresse o risco de sair uma notícia sobre uma coisa que não correspondia à realidade, nomeadamente sobre a possibilidade de passar como um imposto sobre a classe média. Foi com base nessa preocupação...
Que combinaram todos falar?
Que um deputado dos dois partidos que integravam esse grupo de trabalho iriam reagir. Por isso falou uma deputada do BE e um deputado do PS.
E um do PCP também.
E depois falou um deputado do PCP. É evidente que passa a declaração da Mariana Mortágua e do Eurico Brilhante Dias logo a seguir, porque a sair a notícia não podíamos deixar que ela não fosse enquadrada. O Governo não falou sobre essa medida.
Então porque é que o senhor depois aparece a fazer a declaração de que compete ao Governo falar sobre impostos?
Porque não houve nenhum anúncio. Toda a gente estava a dizer que a Mariana Mortágua tinha anunciado um imposto e aquilo que dissemos foi que quem faz anúncios de medidas sobre o Orçamento ou de medidas políticas do Governo é o Governo e mais ninguém.
Parece que houve anúncio, o imposto existe no OE2017.
Assim também não fazemos justiça à verdade. Não houve um anúncio. Houve uma noticia do Jornal de Negócios que foi comentada por dois deputados que tinham estado a trabalhar no grupo de trabalho.
E acabaram por credibilizar a notícia.
Não. Porque se for ver as declarações por exemplo o deputado do PS disse este imposto não está fechado, este imposto ainda está a ser trabalhado com o PCP.
Mas vai existir.
Isso são coisas diferente. Em nenhum momento falou de limites. Por isso nós não podemos baralhar tudo e fazer de conta que é a mesma coisa. Vai existir porque, antes de ser trabalhado no grupo de trabalho, já estava previsto no programa eleitoral do PS. Não foi uma coisa que nasceu do ar. Não há nenhuma novidade. Queremos encontrar problemas onde eles não existiram. Há uma fuga, como houve outras. Há uma reacção no dia a seguir. O Eurico Brilhante Dias teve tempo-de-antena infelizmente só no imediato, porque depois desaparece. Para todos os efeitos e para a história passou a ser um anúncio da Marina Mortágua.
A coordenação dessa crise não prejudicou a imagem do Governo e a própria criação da medida?
Nós não controlámos tudo. E há uma coisa que nós nunca poderemos controlar, de certeza absoluta (não podia ser), que são as declarações dos partidos políticos, dos seus membros e dos seus dirigentes. Isso não nos compete a nós. Nós tentamos coordenar, fazer com que as coisas corram da melhor maneira. Em democracia vamos ter muitos episódios desses, muitos. É normal. Agora nós não controlamos aquilo que cada grupo parlamentar, cada deputado, cada dirigente diz. Isto não fazemos, para que cada um mantenha – e ainda bem – a sua autonomia.
A forma como isto acabou por acontecer alterou, de alguma maneira, o resultado final no OE2017 ao nível deste imposto?
É só ver que não. Toda a gente disse, a determinada altura, que [ele avançaria] só acima de um milhão de euros. Bom, o imposto começa nos 600 mil euros. Temos uma taxa de 0,3%. E a medida não serve para atingir o investimento, nós queremos preservar o investimento. Isso foi sempre assumido pelo PS.