Algarve regularizou metade do total dos alojamentos locais do país nos últimos dois anos

Hotelaria tradicional e alojamento local coabitam há vários anos no Algarve. Mas depois de um esforço de legalização, a criação de novos impostos está a ser criticada.

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O Clube Praia da Rocha, com 300 unidades, foi uma das empresas que recorreu à figura do AL ENRIC VIVES-RUBIO

A região algarvia foi responsável por quase metade dos novos 33.829 registos de alojamento local (AL) efectuados nos últimos dois anos. Com a simplificação do Regime Jurídico de Exploração de Estabelecimentos de Alojamento Local entraram nas malhas da fiscalização 15.802 unidades, muitas delas com preços de aluguer que podem chegar aos 10 ou 20 mil euros por semana. “Mas ainda há muitas que ficaram de fora”, denuncia o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA). O aumento de imposto sobre o alojamento local, sublinha Elidérico Viegas (que salta de um coeficiente 0,15% para a 0,35%), “vem piorar as coisas, na medida em que muitos tenderão a regressar (ou não sair) da clandestinidade”.

O aluguer de apartamentos turísticos, em paralelo com a hotelaria tradicional, sempre foi “prática corrente” no Algarve. O que mudou desde há dois anos, diz o presidente da AHETA, foi a legislação que veio “aligeirar” o aluguer particular para fins turísticos. O incremento do alojamento local que se verificou em todo o país, com especial incidência em Lisboa e Porto, sublinha, “não encontra paralelo com o que se passa no Algarve”, onde o sector turístico/ imobiliário coabitam há vários anos. 

Os municípios da zona litoral, por via do imposto municipal sobre imóveis (IMI), estão no rol dos mais beneficiados por esta actividade, que tem os pés bem assentes na explosão da construção civil na zona. E que fez com que uma região com 400 mil habitantes tenha hoje 200 mil residências de segunda habitação.
À boleia do novo Regime de Exploração de Estabelecimentos Locais seguiram também centenas de unidades turísticas que não tinham condições para permanecer no quadro do regime dos empreendimentos. Ao pedirem o registo em AL, diz Elidérico Viegas, ficaram desobrigados do “regime apertado” que vigora para a hotelaria tradicional. 

O Clube Praia da Rocha, com 300 unidades, exemplificou, foi uma das empresas que recorreram à figura do alojamento local para ter mais facilidades na gestão e menos encargos permanentes. 

A secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, ouvida na semana pela Comissão parlamentar de Economia, admitiu que a lei, com dois anos de vigência, possa vir a ser alterada. “Simplificou-se tanto que a determinada altura deixou-se de ter regras”, disse, quando interpelada pelo deputado do PSD Cristóvão Norte, eleito pelo distrito de Faro. 

Durante o debate, o deputado admitiu “aperfeiçoamentos” legislativos, mas não mudanças ao ponto de fazer regredir um sector que contribui para a requalificação das cidades. “Pode haver problemas em duas ou três freguesias de Lisboa, que devem ser resolvidos, mas temos de ver o lado positivo do alojamento local”, enfatizou. 

No que diz respeito à subida das taxas sobre este tipo de alojamento, Cristóvão Norte, em declarações ao PÚBLICO, acrescentou: “Não se começa a construir a casa pelo telhado, como fez o Governo, ao pretender alterar as regras do AL com o aumento de impostos.”

A cidade de Faro, no contexto regional, foi aquela em que o AL mais contribuiu para a renovação do tecido urbano. O hostel 1878, com 14 quartos e uma capacidade para 82 pessoas é um dos cerca de uma dezena de edifícios que foram restaurados depois de dezenas anos votados ao abandono. “Durante os meses de Verão, funcionamos todos bem, mas chega o Inverno a ocupação cai para os 20% a 30%”, diz o gestor Marco Bento. E acrescenta: “Investimos, neste edifício, cerca de um milhão de euros.” O retorno do capital, em sua opinião, estará muito dependente das dinâmicas económicas da região. “Ainda não se percebeu que o Inverno no Algarve equivale ao Verão dos países do Norte da Europa”, observa. 

Sobre o aumento da taxa prevista no Orçamento do Estado para o próximo ano acha que vai dar um “rombo valente” nas contas da empresa, já que o seu plano de negócios foi feito tendo em conta um quadro de parâmetros diferentes. “Alterar as regras do jogo a meio não é uma boa política”, critica. O deputado Cristóvão Norte acrescenta: “Foi uma machadada na confiança de quem investiu.” No regime fiscal do AL, contrapôs Ana Mendes Godinho, “só 15% do rendimento é que é considerado rendimento”. O Governo chegou a admitir que uma subida de coeficiente de 0,15% para 0,75%. Ficou-se pelos 0,35%.

Com o objectivo de encontrar formas de inserir a especificidade do Algarve na revisão do novo quadro legislativo que se avizinha, os deputados do Partido Socialista eleitos pela região marcaram uma audição pública, em Lagoa, no próximo dia 24, para debater o alojamento local, envolvendo as associações empresariais, autarcas e outros agentes económicos. 

A alteração à lei, destaca o deputado Fernando Anastácio, “tem de ter em conta que a realidade do Algarve é muito diferente dos problemas que se colocam ao resto do país, nomeadamente em Lisboa e no Porto”. 
Elidérico Viegas, um dos oradores convidados, antecipa: “O que está mal não é a lei, é falta de fiscalização.” Por isso, reclama uma “intervenção pública contra o arrendamento ilícito para fins turísticos”. A comercialização deste tipo de oferta, denuncia, é feita através dos “próprios proprietários, plataformas da Internet e estruturas organizadas pouco claras”.

Cameron ficou em “casa de amigos” em Monchique

Das milhares de casas e apartamentos colocados no mercado de arrendamento, encontra-se a Cabana dos Rouxinóis — uma vivenda onde o ex-primeiro-ministro inglês David Cameron costuma passar férias.

O responsável pela manutenção da moradia, Jean Ferran, contactado pelo PÚBLICO, afirmou: “A casa não se aluga há mais de dez anos, é só para amigos da família.” No entanto, de acordo com a publicidade, veiculada pela Internet, a vivenda, situada na serra de Monchique, pode ser alugada, através de uma agência, por 3 mil libras por semana, nos meses de Julho e Agosto. “Vamos mandar retirar isso”, afirmou, depois de confrontado com o anúncio. 

As situações das casas para “amigos”, que podem ser alugadas, repetem-se nos empreendimentos de luxo, como a Quinta do Lago e Vale do Lobo. Quando o preço é tornado público, fica-se a saber que o aluguer de uma dessas casas pode chegar aos 10 a 20 mil euros por semana. 

Porém, nestes locais luxuosos não está afixada a placa “AL”, porque tal não é obrigatório. Nestas zonas, os proprietários são desconhecidos. Na Quinta do Lago, por exemplo, cerca de 80% das propriedades estão em nome de empresas offshore.

A Região de Turismo do Algarve estimava, em 2014, que existiriam entre 100 e as 150 mil camas paralelas em toda a zona. Porém, a entrada em vigor do novo Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local, veio permitir a legalização de 15.802 casas ou apartamentos, de um total de 33.829 que o fizeram a nível nacional. Neste esforço de legalização, e uma vez que o registo é feito por unidades de alojamento, desconhece-se quantas camas estão agora regularizadas.

“Ainda há muita comercialização paralela”, insiste Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA). O certo é que a casa onde David Cameron passou férias nos verões de 2014 e 2015, informou ao PÚBLICO o presidente da Câmara Municipal de Monchique, Rui André, “não está registada como alojamento local”. 

Neste concelho algarvio, onde a comunidade de estrangeiros residentes representa 20% (cerca de mil) do total da população, estão registadas 66 casas de Alojamento Local.

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