O Nobel americano chegou a três semanas das eleições. Será também política?
Foram 23 anos de jejum depois de Tony Morrison, uma activista em defesa dos direitos dos negros e das mulheres. Bob Dylan, um poeta de causas, é o novo Nobel americano. Acontece a três semanas das eleições na América. É literatura, mas será também política?
Há quatro anos, quando homenageou Bob Dylan, o presidente Barack Obama lembrou o cantor, compositor e poeta que saiu da pequena cidade de Duluth, no Minesota, onde nasceu em 1941, porque ali fazia demasiado frio para se ser rebelde. Aos 19 anos, foi então iniciar-se na rebeldia para Nova Iorque, onde nos anos 60 e 70 o clima era propício a talentos inconformados como o dele. A história conta o resto, mas Obama resumiu-o da seguinte forma: Dylan é "o gigante maior na história da música americana", alguém que "continua em busca de um pedaço de verdade". Naquela dia de Maio de 2012, Bob Dylan recebeu a Medalha da Liberdade das mãos de Obama sem nunca tirar os óculos escuros e voltou para o seu lugar no fundo da sala.
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Rebelde, indomável, ícone da contracultura, um contador de histórias capaz de emocionar multidões, símbolo do protesto contra abusos dos direitos essenciais, com muitas das suas canções a serem cantadas como hino de activistas de direitos humanos, Dylan é também um ícone de uma América que parece ameaçada, a América onde parecia possível ser-se tudo desde que houvesse talento para isso, a América da igualdade da oportunidades que permitiu a Dylan ser Dylan.
Por agora, pouco ou nada se sabe do pensamento político recente do homem que, em 1964, afirmava que a política deixara de lhe interessar. Mas tudo nele, desde o modo como ascendeu ao universo musical, às letras que escrevia e ao modo como se definia artisticamente, conotava-o politicamente com uma proposta nada conservadora.
Num artigo publicado em Maio deste ano no Huffington Post, o politólogo Peter Dreier escrevia: "As suas letras reflectem uma preocupação com as várias direcções tomadas pelo país, incluindo a agressão aos direitos civis e a escalada da corrida às armas nucleares." Era o tempo dos protestos contra a Guerra do Vietname, da defesa dos direitos dos negros com nomes como Martin Luther King Jr. ou Malcolm X, da liberalização de costumes de que Nova Iorque — e, em particular, Greenwich Village — se tornara o epicentro. Era aí que Bob Dylan vivia e criava depois da sua decisão de não matar a rebeldia pessoal.<_o3a_p>
E embora politicamente ausente, continuou a participar em causas. Dreier lembra algumas, como actuações em concertos para angariar fundos para a fome no Bangladesh ou na Etiópia e para agricultores em dificuldades. Quando recebeu um prémio de carreira em 1991, decorria a primeira guerra do Golfo, tocou Master of war em homenagem às tropas americanas no Iraque. Em 2008, quando Obama ganhou as suas primeiras eleições para a Casa Branca, Bob Dylan actuava na Universidade do Minesota. Ao saber, nesse momento, da vitória de Obama, disse: “Nasci em 1941. Foi o ano em que bombardearam Pearl Harbor. Tenho vivido na escuridão desde então. Parece que as coisas estão a mudar agora", e cantou Blowin’ in the wind.<_o3a_p>
Foi a este americano que a Academia Sueca atribuiu agora o Nobel da Literatura , 23 anos depois de o ter dado a Tony Morrison, uma activista dos direitos dos negros e das mulheres, e quando faltam três semanas para as eleições que também vão ajudar a definir o papel dos EUA no mundo e o destino colectivo do Ocidente. <_o3a_p>
Há política na decisão da Academia Sueca? O discurso oficial não lhe fez qualquer menção. A distinção de Bob Dylan é literária, argumentaram. Joyce Carol Oates, também americana e faz tempo um dos nomes apontados como nobilizáveis, a par de Philip Roth, Cormac McCarthy ou Don DeLillo, não contestou a qualidade literária de Dylan. É “uma escolha inspirada e original”, escreveu Oates no Twitter, acrescentando: “Na sua obsessão, a sua música e as suas letras sempre foram ‘literárias’ na sua acepção mais profunda.” Há outro ponto que Oates não deixou de lembrar: Dylan, disse, chega a muitos mais milhões o que ela.
Notícia corrigida às 22h28, para deixar claro que Bob Dylan foi o segundo Nobel da Literatura atribuído aos Estados Unidos desde Tony Morrison em 1993, mas não desde a criação do prémio