Afinal, a primeira biografia de Hitler é uma autobiografia

Historiador descobre documentos que sustentam a tese de que um livro de 1923 que apresenta Hitler como o “salvador da Alemanha” e o compara a Jesus terá sido escrito pelo próprio ditador.

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O livro A Minha Luta começou a ser editado em 1925, dois anos depois da biografia que agora se diz ter sido escrita pelo próprio Hitler NOEL CELIS/AFP

Até aqui julgava-se que o seu autor era o aristocrata alemão Victor von Koerber, um herói de guerra, mas, documentos recém-descobertos dão como bem provável que a primeira biografia do ditador, cujo título se poderá traduzir por "Adolf Hitler: A sua Vida e os seus Discursos", tenha sido escrita pelo próprio.

Quem o defende é Thomas Weber, professor de História e de Relações Internacionais da Universidade de Aberdeen, na Escócia. Esta nova tese à volta da autoria deste livro publicado em 1923, que define como um “acto de publicidade desenvergonhada mas hábil”, surge na sequência da pesquisa que Weber está a fazer para o seu próximo livro, que deverá sair em Novembro, em que escreverá sobre como Hitler se tornou nazi.

Foi na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, no arquivo pessoal de Von Koerber, que o académico se deparou com documentos que, na sua opinião, provam que o aristocrata foi, neste caso, apenas um escritor-fantasma. “Encontrei um testemunho feito sob juramento e assinado pela mulher do editor em que é dito que Victor von Koerber não escreveu o livro e que Hitler pediu ao general Ludendorff [o homem que o apresentou ao aristocrata] que lhe encontrasse um escritor conservador sem quaisquer ligações ao partido nazi para lhe emprestar o nome”, diz Weber, citado num comunicado da universidade escocesa em que se dá conta da sua nova teoria.

A este testemunho junta-se uma carta que Von Koerber enviou a um homem com quem tinha estado preso num campo de concentração, em que há detalhes que confirmam Hitler como o autor.

Dois anos mais novo do que Adolf Hitler, este aristocrata que veio a ser jornalista, poeta, crítico e dramaturgo, afastou-se completamente do líder nazi em meados da década de 1920, tornando-se um crítico feroz da sua actuação. Depois de 1933 começou mesmo a passar informação aos britânicos sobre os planos de Hitler, avisando-os mais tarde de que a guerra estava iminente. Viria a ser preso um dia depois da tentativa de assassinato do führer, em 1944, sendo libertado no fim da guerra.

Adolf Hitler: A sua Vida e os seus Discursos - um grande perfil do futuro ditador que inclui uma colecção dos seus discursos - faz uma série de estranhas afirmações que convidam o leitor a olhar para ele como “a nova Bíblia dos dias de hoje”, usando palavras como “sagrado” e “libertação” e pondo o líder nazi a par de Jesus, comparando a ascensão política do primeiro à ressurreição do segundo, explica o historiador.

Esta descoberta agora divulgada vem questionar a forma como em anos recentes se tem olhado para este período no percurso do ditador, defende Weber. Se até aqui a maioria dos especialistas dizia que só com A Minha Luta – considerada a primeira autobiografia e editada em dois volumes em 1925 e 1926 – passou a acreditar que podia ser o messias da Alemanha, talvez agora tenha chegado a altura de perceber que já antes Hitler se via como alguém capaz de restituir ao país o devido protagonismo, o peso e a importância que perdera.

“O facto de Hitler ter escrito a biografia e de ter coligido os discursos, juntando-os sob outro nome, mostra que, desde muito cedo, assumiu este papel de ‘salvador’ e começou, de uma maneira muito manipuladora, a traçar o seu caminho até ao topo.” Um caminho em que este livro, até aqui atribuído a Von Koerber, um exemplar ariano com pedigree e um enorme capital de simpatia, tem um papel determinante na consolidação da imagem do futuro ditador, sobretudo junto dos sectores mais conservadores da sociedade alemã, que temiam uma revolução nacional.

Hitler tinha noção de que precisava dessa franja mais tradicionalistas, mas sabia que não tinha ainda credibilidade suficiente para se afirmar como líder, diz Thomas Weber. Começou, então, a “criar expectativas à volta de um novo tipo de liderança que não poderia ser preenchido por alguém vindo das elites políticas já estabelecidas, que teria de ser ocupado por alguém que viesse de baixo”. Ele afirmar-se-ia, assim, como o candidato natural.

Juntando as peças do arquivo sul-africano com outro documento que desenterrou num arquivo alemão – um papel de 1938 em que o aristocrata-jornalista alude ao facto de o führer ser o autor do livro - este académico de Aberdeen conclui que Adolf Hitler: A sua Vida e os seus Discursos “é uma autobiografia” que mostra que “mesmo no começo da sua carreira, era um político manipulador e astuto”.

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