Mais de 80 mil sistemas de videovigilância legais a funcionar no país
Este ano a Comissão de Protecção de Dados autorizou em média 32 novos sistemas por dia. Pedidos dispararam em 2014, quando bancos, farmácias, bombas de gasolina e ourivesarias foram obrigados a instalar câmaras de vigilância.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) estima que existam actualmente mais de 80 mil sistemas de videovigilância autorizados a funcionar no país. Só entre 2011 e o final do mês passado foram validados 52.649 sistemas fora da via pública, a maior parte em estabelecimentos comerciais, fábricas, escritórios e serviços.
Desde 2014, as autorizações aumentaram de forma significativa. No ano anterior eram pouco mais de 6700, tendo então ultrapassado a fasquia das 10 mil, para mais precisamente 10.501. Ou seja, cresceram 56% num só ano. E em 2015, voltaram a crescer ainda que de forma residual (10.645). Este ano, até 30 de Setembro, foram emitidas 8683 autorizações (em média 32 novos sistemas por dia), ritmo que a manter-se significará um novo recorde, já que as aprovações poderão ultrapassar as 11.500.
Estes números dizem respeito apenas às autorizações emitidas no âmbito de processos electrónicos, a que se somam 724 aprovações em processos apresentados em papel, entre 2011 e 2016. Os pedidos começaram a ser feitos online a partir de 2011. A mudança trouxe uma “revolução” à análise dos processos de videovigilância, nas palavras da porta-voz da comissão, Clara Guerra.
Lei levou ao aumento da instalação de sistemas
O presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), António Nunes, tem uma explicação simples para este crescimento. “O aumento não se deve só a uma necessidade sentida pelas pessoas, mas ao facto de alguns estabelecimentos terem sido obrigados a instalar este tipo de sistema”, diz o dirigente.
O novo regime da segurança privada, de 2013, passou a exigir a instalação de videovigilância em bancos, farmácias, bombas de gasolina, ourivesarias e grandes centros comerciais. O diploma dava um ano para as entidades cumprirem a nova exigência, alargando o prazo em alguns casos até Setembro de 2014.
António Nunes acredita também que alguns estabelecimentos adiram à videovigilância devido ao “efeito dissuasor” que esta tem. Para o dirigente da Associação Portuguesa de Segurança (Apsei), Carlos Dias, a diminuição dos custos dos equipamentos de videovigilância nos últimos 10 anos, que permitiu encolher as despesas em mais de 70%, também pode explicar o uso cada vez mais frequente destes sistemas. O também director do Núcleo Autónomo de Segurança Electrónica da Apsei diz que instalar um sistema com cinco ou seis câmaras custava há 10 anos cerca de 5000 euros. “Hoje um sistema desses pode custar mil euros”, refere.
Este dirigente, que trabalha numa empresa líder na instalação destes sistemas, acredita que “uma grande parte” da videovigilância existente não cumpre as exigências da lei, seja por falta da autorização obrigatória da CNPD, seja por não ser garantida a destruição das imagens ao fim de 30 dias. “A sensação que o mercado tem é que só há fiscalização em caso de denúncia”, afirma.
Já a professora da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Luísa Neto, não se surpreende com o número de autorizações, mas considera que só mostra uma face do problema. “A maior parte das câmaras de vigilância a funcionar no país não estão autorizadas nem sequer registadas na CNPD”, acredita. “O que me choca é que as pessoas não tenham consciência de que este tipo de instalações tem implicações ao nível da privacidade”, afirma a docente, que lamenta a falta de meios da comissão para verificar se a “captação das imagens está a ser feita de acordo com as regras da autorização”.
Intimidade da vida privada ou segurança?
O constitucionalista Jorge Miranda recorda, por seu lado, que “a videovigilância põe em confronto dois direitos fundamentais, a intimidade da vida privada e a segurança, cuja conciliação é difícil”. É por envolver uma restrição de direitos fundamentais, que António Nunes considera “que a fiscalização desta área devia ser mais intensa para evitar qualquer tipo de abuso”.
O presidente do OSCOT defende que deveria haver informação pública da estatística sobre todas as acções de fiscalização e que a CNPD devia fazer um relatório anual sobre a videovigilância.
A porta-voz da comissão refuta a falta de fiscalização e sublinha o “apoio inestimável” das polícias nesta área. Só sabe o número de processos de infracções comunicados pela PSP e GNR à comissão, que aplica as sanções. Quase 500 participações em 2014 e 603 no ano seguinte. Este ano, até 30 de Setembro, foram comunicados mais 435 autos de infracção. Antes as infracções mais comuns eram a falta de autorização da CNPD e de avisos informativos. Actualmente é mais comum o desrespeito pelas regras de funcionamento do sistema.
Aos autos somam-se as queixas de cidadãos à comissão. Clara Guerra explica que só muito raramente os técnicos da CNPD fazem fiscalização no terreno, mas sempre que lhes é reportada uma infracção é solicitada a colaboração da autoridade local. Desde 2013 que o número de queixas anual supera as 200, tendo chegado às 270 o ano passado.