Um vice com os olhos em 2020 era só o que faltava a Donald Trump
O governador Mike Pence esteve melhor no debate dos candidatos a vice-presidentes do que Donald Trump no seu debate com Hillary Clinton. As comparações "não lhe caíram muito bem".
Numas eleições presidenciais norte-americanas normais, os dois principais candidatos à Casa Branca costumam estar em casa durante o debate dos vices, colados à televisão e a torcer para que os seus escolhidos os encham de orgulho. Mas, nesta altura do campeonato, quem acha que as eleições deste ano são normais é porque ainda não passou da letra "m" no dicionário: depois da boa prestação de Mike Pence no debate da madrugada de terça para quarta-feira, crescem os sinais de que Donald Trump ficou irritado com os elogios ao seu companheiro de corrida.
Durante o debate com o parceiro de Hillary Clinton, Tim Kaine, o homem que Trump escolheu para ser o n.º 2 da sua candidatura foi elogiado pela calma com que escapou às armadilhas que o seu adversário lhe foi espalhando pelo caminho.
Como essas armadilhas consistiram em forçar Mike Pence a dizer se concordava com as declarações mais polémicas de Donald Trump, e porque Pence se limitou a abanar a cabeça e a dizer que nada daquilo era verdade, o resultado final deu títulos como "Mike Pence venceu o debate ao atirar Donald Trump para debaixo do autocarro" (Vox, um site progressista) e "Com um debate firme, Pence fez o que Trump não conseguiu fazer" (National Review, uma revista conservadora).
No final, uma sondagem da CNN feita entre telespectadores espalhados por todo o país – e numa amostra com "um pouco mais de democratas", como salientou um dos pivôs – deu a vitória ao republicano, embora por uma margem curta (48% contra 42%). Mas a percentagem mais relevante não foi essa: segundo a mesma sondagem, 58% dos inquiridos disseram que o democrata Tim Kaine foi o escudeiro mais fiel dos dois, enquanto apenas 35% acharam que Mike Pence defendeu melhor o seu candidato a Presidente.
"Trump não costuma reagir bem quando é ofuscado ou ignorado", disse o editor do site Business Insider Josh Barro, que escreve regularmente sobre política norte-americana e economia. "Ao contrário de Pence, Kaine executou uma estratégia cujo objectivo claro era beneficiar o seu parceiro de corrida. Penso que este debate, tal como a maioria dos debates entre vice-presidentes, vai ter pouco impacto. A não ser que Trump fique irritado por ter sido ofuscado pelo seu brando parceiro de corrida, o que poderá interferir ainda mais com o seu Zen à medida que se aproxima o segundo debate presidencial."
E, a acreditar nos relatos de alguns jornalistas norte-americanos sobre as reacções de Donald Trump e dos seus colaboradores mais próximos, foi isso mesmo que aconteceu: se o magnata já tinha ameaçado calçar as luvas de boxe no próximo debate com Hillary Clinton, na noite de domingo para segunda-feira, então agora é que o caldo está entornado.
"Conselheiro de Trump comenta o debate em que Pence deixou passar oportunidades para defendê-lo: 'Pence ganhou o debate, mas perdeu com Trump'", escreveu no Twitter o jornalista John Harwood, responsável pela delegação da CNBC em Washington, colaborador do New York Times e antigo repórter do Wall Street Journal. Harwood voltou ao tema num artigo publicado no site da CNBC: "Uma questão interessante é a reacção pessoal de Trump. Pence deixou passar oportunidades para defendê-lo, e recebeu muito mais críticas positivas depois do debate do que Trump."
Também um dos principais repórteres da CNN, John King, tinha algo para dizer sobre a suposta fúria com que Donald Trump recebeu a boa prestação do seu vice, quando comparada com a sua própria prestação contra Hillary Clinton. "Segundo John King, da CNN, uma fonte próxima de Trump diz que as críticas positivas sobre Pence em comparação com ele não lhe caíram muito bem", escreveu Sam Stein, editor de Política do Huffington Post.
Mas a análise que mais poderá enfurecer Donald Trump – e comprometer a relação com o seu parceiro na Casa Branca se a vitória lhe sorrir no dia 8 de Novembro – é a de que Mike Pence não se limitou a deixar passar oportunidades para defender o seu candidato: "Tim Kaine está a candidatar-se a vice-presidente em 2016. Mike Pence está a candidatar-se a Presidente em 2020", resumiu Jon Lovett, que ajudou a escrever discursos na Administração Obama.
Mas os elogios a Mike Pence com críticas implícitas a Donald Trump não vieram só de jornalistas nem de antigos escritores de discursos de Barack Obama. No painel de membros do Partido Republicano a quem o site Politico recorre para avaliar o sentimento no interior do partido (garantindo o anonimato a todos para falarem livremente), não houve dúvidas: todos os 40 disseram que Mike Pence foi melhor no seu debate do que Donald Trump no seu.
"Não há qualquer discussão. Haverá alguém fora da família de Trump que não esteja a desejar que fosse possível trocar a ordem da candidatura? Mike Pence transmite calma e força, e uma capacidade para articular uma visão e políticas que os americanos apoiam. Pela primeira vez em meses, ouvimos argumentos sérios a favor dos princípios conservadores", citou o Politico.