Do spray antiasilo à jihad de Praga

O referendo na Hungria foi o expoente de uma campanha anti-refugiados e migrantes. Mas em toda a Europa há mais acções deste género.

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Vários líderes europeus têm carregado na retórica contra os refugiados AFP/PHILIPPE HUGUEN

Um pequeno partido dinamarquês distribuiu pelas ruas de uma cidade portuária um “spray anti-asilo” – “um spray para que os dinamarqueses, em particular as mulheres, se possam defender”, nas palavras do seu líder, Daniel Carlsen.

Este é mais um exemplo entre vários de uma acção de um partido que usa uma retórica extrema anti-refugiados para ter ganhos políticos (no caso, nem sequer é certo que este partido consiga assinaturas suficientes). O expoente máximo desta acção terá sido na Hungria, com o primeiro-ministro Viktor Orbán a fazer um referendo sobre as quotas de refugiados que a União Europeia quer distribuir por vários países e a usar uma campanha racista para o vencer.

“Sabia que desde o princípio da crise migratória já morreram mais de 300 pessoas em ataques terroristas na Europa?”, diz uma das frases da campanha promovida pelo Governo húngaro, tentando uma ligação forçada (a grande maioria dos atacantes dos atentados de França ou Bélgica nasceram na Europa, dois tinham, no entanto, passaportes falsos e entraram por uma ilha grega). Outra fala em zonas de capitais europeias como Londres ou Berlim em que alegadamente as autoridades perderam o controlo, assumido por “patrulhas” de migrantes.  

Entre manipulações e factos errados, as ideias ficam, e no caso da Hungria, parecem ter tido eco na população. Quando adolescentes se querem insultar, dizem agora “migrante”. 

Por vezes, as campanhas são tão exageradas que acabam por ter um efeito contrário. Foi o caso de uma acção no centro de Praga, pré-aprovada pela câmara da cidade.

Empoleirados em cima de um veículo militar Humvee (onde levavam ainda um camelo e uma cabra), com uma bandeira do autoproclamado Estado Islâmico, e armas semi-automáticas, alguns homens gritaram Allahu Akbar (Deus é grande, em árabe) e disparar tiros para o ar. Os tiros não eram de balas reais, as barbas também eram falsas.

A acção, feita no final de Agosto, foi da autoria de Martin Konvicka, professor universitário que pretendia chamar a atenção para o que vê como “o perigo do islão para o modo de vida checo”.

Mas o que aconteceu foi que a acção provocou o pânico entre várias pessoas na praça mais icónica de Praga. Grupos de pessoas com crianças – incluindo um vindo de Israel – correram para os restaurantes procurando refúgio. Alguns tropeçaram nas cadeiras das esplanadas, derrubando cadeiras, caindo. “Algumas pessoas ficaram mais de uma hora até conseguirem acalmar-se e sair do restaurante”, contou Kristyna Vonsova, empregada de mesa num dos restaurantes, ao New York Times.

Aaron Gunsberger, dono de um restaurante kosher (que segue as regras judaicas) perto, conta que pegou na sua arma e correu para a praça. “Se tivessem aparecido a fazer aquilo em frente ao meu restaurante, eu estaria hoje na prisão, porque teria disparado contra eles”, disse.

Na República Checa a retória anti-refugiados é normal. O Presidente, Milos Zeman, já disse que a integração de muçulmanos é impossível, que não quer receber refugiados para que não haja “ataques bárbaros”, e que a chegada de refugiados e migrantes no ano passado foi uma “invasão organizada”.

Refugiados, rumores e crimes

Os países do Grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia) são os que têm tido mais visibilidade com a sua posição anti-refugiados, mas também houve campanhas controversas nos países nórdicos, com o Governo da Dinamarca a publicar anúncios nas redes sociais dizendo aos refugiados para não virem para o país pensando que teriam muitos apoios sociais. Pouco depois, a Noruega e Suécia fizeram campanhas semelhantes.

A acção do spray é feita a um nível diferente. Como na Dinamarca não é possível distribuir spray pimenta, por exemplo, estas latas eram de laca para o cabelo. O que conta é, claro, a mensagem: que os refugiados ou migrantes são um perigo e podem atacar pessoas, especialmente mulheres.

A narrativa de que as mulheres podem ser vítimas de crimes de refugiados ganhou força depois da passagem de ano em Colónia, na Alemanha. A uma onda inicial de rumores de roubos, violência e assédio sexual por parte de refugiados, seguiu-se a conclusão de que a esmagadora maioria não pertencia à vaga que chegou em 2014 e 2015.

Na Alemanha, segundo os números da polícia criminal (BKA) citados pelo diário de grande circulação Bild, o número de refugiados aumentou 440% entre 2014 e 2015, mas o número de crimes aumentou apenas em 79%. (O que aumentou, foi sem dúvida, foi o número de crimes contra refugiados, segundo uma investigação do site Correctiv e da revista Der Spiegel.)

Mas a ideia de um perigo, de uma ameaça, fica. A polícia criminal alemã tem, desde o início do ano, estatísticas só de crimes cometidos por refugiados e migrantes. A maioria são crimes não violentos.

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