O que resta do sonho de paz de Shimon Peres?
Em 1994, o então ministro dos Negócios Estrangeiro anunciava o fim de "uma era de beligerância". Doze anos depois, as perspectivas de uma solução política estão, no mínimo, em ponto morto.
“Deixamos para trás uma era de beligerância e avançamos juntos em direcção à paz”, profetizava Shimon Peres ao receber o Nobel da Paz. Poderia ele imaginar então que o caminho seria assim duro e que na hora da sua morte essa esperança estaria em ponto morto?
Nesse 10 de Dezembro de 1994, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, armado de grossos óculos que lhe escondiam o rosto, proferia do alto da tribuna de Oslo o discurso de aceitação do Nobel num inglês duro mas polido. Ao seu lado tinha os seus co-galardoados, o seu primeiro-ministro e grande rival Yitzhak Rabin e o antigo inimigo palestiniano Yasser Arafat.
Os três sorriam amplamente ao mostrarem a medalha e o diploma que recompensava os seus “esforços para criar a paz no Médio Oriente”, materializados no ano anterior por um acordo histórico [conhecido por Oslo 1] assinado em Washington e que trazia a promessa de resolução do conflito israelo-palestiniano-
A esperança deu lugar a um profundo pessimismo. “Há quase 23 anos, o primeiro dos acordos de Oslo era assinado entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina”, reconheceu sombriamente, no passado dia 15 de Setembro, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon.
“Infelizmente, estamos hoje mais distantes do que nunca dos objectivos [desse acordo]. A solução dos dois Estados [israelita e palestiniano, coexistindo lado a lado em paz] arrisca-se a ser substituído pela realidade de um Estado [israelita] e uma violência e ocupação perpétuas.”
O acordo de 1993 pôs um ponto final à primeira Intifada, a revolta palestiniana. Depois dele, houve uma segunda. Milhares de homens, mulheres e crianças israelitas e palestinianas morreram num ciclo de atentados-suicidas, campanhas militares, disparos de rockets, operações punitivas, assassinatos selectivos.
A comédia do processo de paz
A Faixa de Gaza é “uma bomba ao retardador”, afirmou Ban Ki-moon. Em 2017, completam-se 50 anos de ocupação pelo Exército israelita da Cisjordânia e de Jerusalém Leste.
Apesar do reconhecimento mútuo, apesar do apoio da comunidade internacional à solução dos dois Estados, apesar do reconhecimento da Palestina como Estado observador nas Nações Unidas, apesar do reconhecimento de mais de 130 capitais, os palestinianos continuam à espera do seu Estado independente. E os israelitas continuam a ambicionar a segurança.
“A nossa mão continua estendida com vontade de fazer a paz”, afirmou recentemente o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas na ONU, “mas a questão que não cessa de se colocar é a seguinte: há em Israel, a potência ocupante, dirigentes que desejem verdadeiramente a paz e abandonem o espírito hegemónico, expansionista e colonizador?”
Sessenta anos depois da sua fundação, os palestinianos continuam a recusar reconhecer a existência do Estado de Israel e “essa questão continua a estar no verdadeiro centro do conflito”, respondeu o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. “Quando os palestinianos disserem finalmente sim ao Estado judaico, poderemos então pôr fim a este conflito.”
O fosso parece tão grande que mesmo os diplomatas temem que a solução dos dois Estados não passe agora de uma miragem.
De [acordo de] Oslo a Camp David, passando por Taba, os esforços diplomáticos caíram num atoleiro. Para Diana Buttu, antiga conselheira de Abbas, é evidente que Israel não tem qualquer projecto de negociar a paz. “Chegou a hora, após décadas de fracassos, de pôr fim à comédia do processo de paz, sinónimo unicamente de infelicidade e sofrimento para os palestinianos” e de passar “à resistência em grande escala, popular e não violenta”.
A maior das vitórias
Segundo uma sondagem recente, 54% dos palestinianos apoiam o abandono do acordo de Oslo. Dividem-se de forma equitativa sobre a forma mais eficaz de instaurar um Estado: 34% defendem negociações, 34% o recurso à luta armada e 27% a resistência não violenta.
Itamar Rabinovich, então embaixador de Israel em Washington, lembra-se do aperto histórico de mãos entre Rabin e Arafat e o momento em que Rabin se virou para Peres para lhe dizer com voz contrariada: “É a tua vez, Shimon”.
“Os acordos estão em mau estado, mas o reconhecimento mútuo continua lá”, tal como a Autoridade Palestiniana, o embrião de um Estado, ou a cooperação económica e de segurança”, afirmou.
Mesmo se Oslo está “gravemente ferido”, o analista Jonathan Rynhold não acredita que ele esteja morto, nem que não seja por ter contribuído para impor aos israelitas a ideia de um Estado palestiniano. Virando-se para as próximas eleições presidenciais americanas, acredita que a democrata Hillary Clinton é a melhor esperança de preservar Oslo porque “seguiu o assunto desde o início até à actualidade e há poucas pessoas que o compreendam tão bem”.
Israel ganhou todas as guerras, dizia Peres em 1994. “Mas ainda não conquistámos a maior das vitórias: aquela que nos dispensará da obrigação de obter vitórias.”