Táxis acusam Governo de favorecer plataformas digitais
Associações do sector argumentam que proposta para regular empresas como a Uber e a Cabify é inconstitucional.
Depois de frases iradas, chega uma avaliação formal no mesmo tom. As associações que representam os taxistas acusam o Governo de querer regras inconstitucionais e de estar discriminar o sector, numa resposta ao diploma que o Ministério do Ambiente apresentou esta semana para regular o transporte através de plataformas como a Uber e a Cabify.
Numa “análise preliminar”, a ANTRAL e a Federação Portuguesa de Táxis classificam o documento como “uma verdadeira trapalhada jurídica, repleto de inconstitucionalidades, ambiguidades e contradições” e como “uma clara tentativa de favorecimento concreto das empresas que ilegalmente já operam no terreno”. A análise refere que, com a aprovação da nova lei, “as inconstitucionalidades que se estariam a levantar seriam óbvias, desde logo pela coexistência de operadores sujeitos a regimes de acesso e exercício bem diferentes – uns com alvará, outros sem, uns com contingentes, outros sem, uns com preços tabelados, outros sem, uns com formação mais alongada, outros com menos".
A proposta do Governo, que também já deu azo a críticas do PCP e do BE, prevê que os motoristas que trabalhem para plataformas como a Uber tenham uma formação e uma habilitação específica, e que os carros não tenham mais de sete anos, tenham um seguro semelhante ao dos táxis e sejam inspeccionados anualmente. Não são feitas alterações às regras para os táxis. O Ministério do Ambiente disse ao PÚBLICO que só analisará os pareceres quando estiver terminado o período de consulta.
As duas associações, que já tinham anteriormente convocado um protesto para 10 de Outubro, em Lisboa, mostram-se também preocupadas com o facto de as plataformas não terem, ao contrário do que acontece com os táxis, tabelas de preços, argumentando que isto poderá levar a uma situação que classificam como sendo de cartelização, uma vez que as várias empresas cobram o mesmo por viagem. “A concretizar-se, esta aberração de diploma criaria dentro do Estado um super operador [a plataforma digital] a quem caberia aceitar ou rejeitar o acesso à actividade, já que, pese embora estando verificados os requisitos da nova modalidade quanto a motoristas e veículos, o super operador poderia aceitar ou rejeitar o cadastro na sua plataforma. Estamos, considerada a livre formação do preço que é conferida, perante o evidente resultado de cartel”, lê-se no documento.
Nesta segunda-feira, o presidente da Federação Portuguesa de Táxis, Carlos Ramos, tinha já mostrado, em declarações ao PÚBLICO, preocupação face à inexistência de um preço mínimo, com o argumento de que as viagens reservadas através da plataforma poderia ser feitas abaixo do preço de custo para “rebentar” com a actividade dos táxis.
O documento das duas associações cita também pareceres das autoridades do sector dos transportes para defender que as empresas de aluguer de carros e transporte de turistas (que compõem parte da frota que trabalha com a Uber) não podem fazer este tipo de actividade. “Como já foi dito e redito pelo regulador AMT [Autoridade da Mobilidade e dos Transportes] e pelo regulamentador IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes], o transporte de passageiros em Portugal só pode ser desenvolvido no âmbito do enquadramento da actividade de táxi. As atividades que estão a ser invocadas como de transporte de passageiros (rent-acar, agências de viagens e animações turísticas) e que no terreno dão actualmente cobertura de facto aos transportes que estão a acontecer são apenas excepcionais”.
No início deste mês, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes foi taxativa ao classificar a Uber como estando a operar fora da lei: “O serviço prestado pela Uber é ilegal”, lê-se num parecer datado de 2 de Setembro, que defende também que uma alteração dos diplomas para viabilizar a actividade daquela empresa implicaria “desenhar medidas políticas para de alguma maneira ‘compensar’ os táxis”.
Artigo actualizado: Uma versão anterior deste artigo indicava que o ministério do Ambiente não tinha respondido a questões do PÚBLICO. O ministério respondeu em tempo útil, mas um problema no sistema de emails do PÚBLICO fez com que a recepção de emails demorasse várias horas. O ministério respondeu que analisará os pareceres findo o período de consulta.