Quem quer ser David Bowie?

Will Brooker, professor universitário em Londres, passou um ano a viver como David Bowie para escrever um livro sobre o “camaleão” da música pop. A experiência ficou registada no documentário Being Bowie, que estreou esta quinta-feira na conferência internacional sobre David Bowie, em Lisboa.

Foto
Fotografia retirada do Facebook de Will Brooker. DR

Will Brooker, escritor e professor de Cinema e Estudos Culturais na Universidade de Kingston em Londres, é fã de longa data de David Bowie. Como fã do artista e especialista em cultura pop, quis escrever um livro sobre uma das figuras que mais admira. Mas já havia muitos livros sobre Bowie, e Brooker não queria fazer algo comum. Tal como Bowie não era comum.

A melhor maneira de escrever um livro sobre Bowie seria compreender a sua vida. E que melhor maneira de compreender a sua vida do que vivendo como ele? De Junho de 2015 a Junho de 2016, Brooker dedicou-se a viver como Bowie, vestindo-se como o cantor, viajando pelas cidades em que Bowie viveu, dando concertos, tudo isto seguindo a ordem dos acontecimentos e das fases da vida do camaleão da pop. Resumiu a vida e a carreira artística de Bowie num ano. A experiência acabou por resultar no documentário Being Bowie. Uma hora de gravações para resumir um ano de uma experiência “difícil, cansativa e gratificante”. 

O documentário, que segundo Brooker ainda terá mais uma “pequena dose de edição”, estreou na quinta-feira, 22 de Setembro, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no âmbito da David Bowie Interart Text Media Conference, uma conferência internacional sobre o cantor, com cerca de 30 conferencistas de diferentes países. Brooker é um dos conferencistas principais.

“Isto nunca foi Bowie exactamente. Foi a minha interpretação”, disse na sessão de discussão do documentário, que descreveu como uma carta de amor a David Bowie e uma reflexão sobre personalidades.

“Tentei ligar-me a Bowie, imergindo no mundo dele. Mas não estava planeado ser um ano, o projecto simplesmente cresceu e evoluiu”, afirmou Brooker em entrevista ao PÚBLICO. Forever Stardust, o livro sobre Bowie para o qual esta experiência foi fundamental, sairá em Janeiro de 2017.

Ser David Bowie por um ano

Entrar no mundo de David Bowie implicou viajar por Inglaterra, Estados Unidos, Suíça e Alemanha, onde grande parte do documentário tem lugar, dado o tempo em que Bowie viveu em Berlim. Levou a grandes viagens, uma das fases mais esgotantes da pesquisa, a momentos de privação de sono, a constantes viagens no tempo. Era necessário entrar nas épocas da vida de Bowie, entender o contexto que envolvia as personagens do artista.

“Há um verdadeiro David Jones e depois há performers. Há uma pessoa e depois há personagens. Há uma pessoa por trás de diferentes disfarces”, diz. E incorporou cada personagem e cada época. A androginia de Ziggy Stardust, a frieza de Thin White Duke, o homem de negócios da fase Let’s Dance, entre tantos outros.

Brooker só lia o que Bowie lia em cada momento da sua vida, ouvia o mesmo que o artista ouvia. Vestia-se e maquilhava-se como Bowie. Passou por todas as fases da carreira do artista, deu concertos. Chegou mesmo a comer durante uma semana apenas pimentos vermelhos e leite, uma dieta que Bowie seguiu durante algum tempo. “Era necessário empenhar-me e comprometer-me com a experiência. Vi muitas entrevistas, tentei perceber como se comportava e falava. Não tentei copiar coisas específicas, mas a dado momento entra-se em sintonia. E é preciso imaginar que se é aquela pessoa. É preciso dedicar-se por inteiro”, diz. No documentário, chega mesmo a afirmar a dado momento, numa entrevista a uma rádio, que já não existia Will Brooker.

Brooker ainda estava a dar aulas quando o projecto começou. Só parou em Dezembro para começar a escrever o livro. Os alunos já sabiam que iam começar a vê-lo como David Bowie e, segundo o professor, em geral aceitaram bem. “Não houve nem reacções negativas nem positivas por aí além, mas pareceu-me que aceitaram. Os jovens aceitam, não se surpreendem tanto. Alguns alunos chamavam-me 'David' a brincar. Eles já sabiam da experiência através dos media, apesar de eu também lhes ter falado do que ia começar a fazer. Mas acho que os alunos são tímidos. É muito britânico isto de não falar muito”, ri-se.

Para Brooker, o mais difícil deste processo foi continuar a experiência a partir da morte de Bowie, em Janeiro deste ano. Tudo se tornou mais negro com a perda da referência. “Tornou-se muito difícil continuar. Pensamos: 'a pessoa morreu, vale a pena continuar com isto?'. O projecto ficou sem sabor, perdeu toda a graça que tinha. E essa mudança de tom vê-se no documentário. Torna-se deprimente escrever sobre alguém que acabou de morrer”.

Brooker calcula que Bowie tenha tido conhecimento da experiência através da comunicação social, que acompanhou o projecto desde que começou. “Provavelmente soube, através de quem estava a trabalhar com ele na altura, e pela atenção mediática. Nunca houve comentários da parte dele, nem da equipa dele, mas é altamente possível que tenha sabido”.

E, afinal, o que significa Bowie para Brooker neste momento? “Vejo David Bowie como uma criação de David Jones. Diria que vejo David Robert Jones como um ser humano muito talentoso que criou uma personagem chamada David Bowie, e ainda bem que o fez. Sinto-me grato por David Bowie, resumindo”, afirma Brooker. E completa: “David Bowie é um conceito”.

Texto editado por Mários Lopes

Sugerir correcção
Comentar