Irmandade regressa ao Parlamento de Amã em nome da excepção jordana
Depois de ter boicotado últimas duas legislativas, movimento islamista quer reconquistar estatuto de maior bloco da oposição. Assembleia continuará dominada pelos aliados da monarquia.
Quase uma década anos depois de ter participado pela última vez em eleições e apenas um ano depois de a Irmandade Muçulmana ter sido ilegalizada no país, o seu braço político vai regressar ao Parlamento jordano, beneficiando de modestas reformas políticas com que o reino hachemita se tenta pôr a salvo da turbulência nos países vizinhos e reforçar-se junto dos aliados ocidentais.
Ninguém, nem mesmo o movimento islamista, acredita que o resultado das legislativas de terça-feira mude o equilíbrio de poderes que há décadas subsiste na Jordânia, centrado no rei, Abdullah II, e suportado pelas tribos e pelas elites políticas e empresariais. São elas que dominam a fragmentada assembleia e deverão continuar a sê-lo, mesmo depois de a lei eleitoral ter sido alterada com o objectivo de encorajar a formação de partidos – os eleitores deixaram de eleger em candidatos únicos, passando a poder votar em listas e coligações formadas antecipadamente.
Vinte e quatro horas depois do fecho das urnas, e apesar da baixa afluência (36%) a comissão eleitoral tinha apenas revelado os resultados preliminares de três dos 23 círculos eleitorais. Mas Zaki bin Rsheid, dirigente da Irmandade, disse à AFP que a Coligação Nacional para a Reforma, liderada pela Frente de Acção Islâmica (FAI, o partido que representa a Irmandade), “tinha quase garantidos 16 deputados” e estava “em competição por mais alguns”. Um resultado abaixo das expectativas iniciais da Irmandade, mas que ainda assim deverá permitir-lhe reconquistar o estatuto de maior bloco da oposição. “A presença dos outros partidos será muito fraca”, disse Rsheid, acreditando que “a grande maioria [do hemiciclo] será composta, como é hábito, por deputados ligados ao poder”.
Presente na Jordânia desde 1945, o movimento nascido no Egipto chegou na década de 1990 a nomear membros para o governo, mas depois de fraudes maciças nas legislativas de 2007 decidiu boicotar os escrutínios de 2010 e 2013, assegurando que não voltaria a apresentar candidatos até que a lei eleitoral fosse mudada e os círculos eleitorais redesenhados – o mapa actual favorece claramente as zonas rurais, bastiões das tribos, em detrimento das cidades, onde os islamistas têm a sua base de apoio. Mais importante ainda, exigia a instauração de um sistema parlamentar, em que seja o Parlamento e não o rei a nomear o Governo.
Reivindicações que ganharam fôlego com as revoltas da Primavera Árabe de 2011, instigando manifestações nas quais se ouvirem pela primeira vez palavras de ordem contra Abdullah II. Mas o país não ficou imune à repressão dos islamistas que alastrou à região após o derrube, em 2013, do Presidente egípcio Mohammed Morsi. No ano passado, a Irmandade acabou por ser ilegalizada também na Jordânia e parte dos seus dirigentes políticos acabou por formar um partido dissidente.
Mas com a economia do país em crise – a taxa de desemprego rondará os 30% – as guerras intermináveis na Síria e Iraque, que empurraram para o país mais de um milhão de refugiados, Amã trocou a “exclusão” pela “inclusão” dos islamistas, explicou à BBC o analista jordano Fares Braizat, explicando que “a experiência dos últimos anos mostra que é quando eles estão dentro do sistema que tendem a moderar o seu discurso”.
E apesar de modesta, a reforma eleitoral dá também à monarquia a oportunidade de melhorar a sua reputação junto de europeus e americanos, seus aliados e financiadores. “Fazer estas eleições custa dinheiro e tem riscos envolvidos, mas para a Jordânia é importante mostrar que o reino é diferente dos outros Estados árabes”, disse à AP David Schenker analista do Washington Instituto dor Near East Policy. Uma excepção que o Governo fez questão de sublinhar, ao proclamar as eleições como uma “vitória do país” num momento “em que em vários países da região não se ouvem se não os canhões”.