Wagner Moura realiza filme político na “pior crise do Brasil desde a ditadura”
Actor brasileiro vai realizar filme sobre o guerrilheiro Carlos Marighella. “Fazer este filme reforça o lado político da minha vida”, diz, defendendo que a situação no Brasil “é o mais parecido que se pode ter a um golpe de Estado”.
Se Narcos lhe deu a visibilidade internacional e a possibilidade de novos voos com a imprensa a apontar-lhe Hollywood, é no Brasil que Wagner Moura quer estar nos próximos tempos. Depois de dois anos na Colômbia, o actor brasileiro regressa ao seu país para se aventurar na realização com um filme que pretende que seja também um acto político. Com o produtor Fernando Meirelles, que realizou A Cidade de Deus, Moura tem em mãos um filme sobre o guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969), líder da resistência contra a ditadura.
“Eu li a biografia que saiu sobre ele escrita pelo jornalista Mário Magalhães [editada pela Companhia das Letras] e quis fazer alguma coisa. Sempre fui fascinado por Marighella. Na verdade, sempre fui fascinado por este período na história no Brasil, que é um tempo sobre o qual não falamos. É estranho mas não temos uma relação saudável com esse tempo, com a ditadura”, diz, revelando que esta é uma história que quer contar desde miúdo por sentir que ainda há muito por revelar. E exemplifica: “No Brasil tivemos a Lei da Amnistia que basicamente perdoou tudo o que os militares fizeram: torturar, matar, todo o tipo de merdas horríveis. Enquanto, por exemplo, na Argentina foram julgados.” “Fazer este filme reforça este lado político da minha vida, tanto como cidadão como naquilo que faço”, continua, defendendo o carácter político do projecto e negando qualquer influência de Narcos, que também considera uma série política.
“Não tem nada a ver com Narcos. É algo que quero fazer há muito tempo. Na verdade é um tempo terrível para produzir um filme no Brasil sobre um comunista”, destaca. “Vai ser um filme político naquela que é provavelmente a pior crise do meu país desde a ditadura.”
Estávamos em Julho quando nos encontrámos com o actor em Londres. O processo de destituição de Dilma Rousseff ainda estava longe de terminar mas o seu fim estava já à vista. Falar de política sem falar da situação actual no Brasil era impossível. “Antes de mais, eu não votei na Dilma. Não acho que ela seja uma boa Presidente. Mas sei o que Lula e Dilma fizeram no Brasil nos últimos dez anos. Foi uma das coisas mais importantes que um Governo pode fazer num país como o Brasil onde as diferenças sociais são a maior questão”, começou por responder o actor ao PÚBLICO. “Milhões de pessoas saíram da miséria, isso é certo. Pessoas pobres puderam ir para a universidade ou viajar. No entanto, isso não significa que eu apoie o PT, especialmente o seu último mandato”, continua, fazendo questão de reforçar a ideia de que não votou em Dilma. “Votei em Marina Silva. Mas, tendo dito isto, o que acontece no Brasil é o mais parecido que se pode ter a um golpe de Estado, não à moda antiga, mas a verdade é que são os mesmos velhos políticos, a mesma raiva social”, atesta, defendendo que a elite brasileira nunca perdoou o facto de alguém como Lula da Silva – um operário da metalurgia – se ter tornado Presidente.
“Os políticos que apoiam o golpe, aquilo que eu chamo 'golpe', são os mesmos. A imprensa é a mesma, os empresários que financiam são os mesmos de 1964. Não é possível não denunciar isto, mesmo não apoiando Dilma.”
O PÚBLICO viajou a convite do Netflix