Um festival para se ouvir a que soa Lisboa
De 1 a 4 de Setembro, o Lisboa Soa apresenta performances e workshops com o propósito de dar a descobrir os sons de uma cidade. E criar um debate sobre o lugar do som no contexto urbano.
As cidades estão cheias de sons, mas quem nelas vive só costuma dar verdadeira atenção a isso quando os ouvidos se queixam do excesso de ruído e acusam o incómodo. Lisboa Soa, o festival idealizado por Raquel Castro para o Lisboa na Rua, e que decorre de 1 a 4 de Setembro no Jardim da Tapada das Necessidades, em Lisboa, propõe uma programação que convida a escutar o que a cidade tem a dizer, com o objectivo de contribuir também para a educação auditiva e para a reflexão sobre o lugar do som na paisagem urbana.
Tratando-se da primeira edição do Lisboa Soa, nada disto é muito novo na vida de Raquel Castro. Investigadora há 12 anos nesta área, doutorada com um estudo sobre “a questão das paisagens sonoras e da ecologia acústica”, o seu assumido perfil pouco convencional enquanto académica tem levado a que não se fique pela produção de artigos científicos, procurando colocar o seu objecto de estudo num plano mais aberto à comunidade. Após o simpósio Invisible Places, que teve lugar em 2014 no âmbito dos Jardins Efémeros, em Viseu, e a realização do documentário Soundwalkers, a investigadora foi continuando a pensar na forma de transformar a temática, “às vezes com uma linguagem demasiado técnica e para um público muito específico”, num assunto de partilha com qualquer outro cidadão. “É importante aprendermos a ouvir o ambiente à nossa volta, ouvindo, estando atentos, e cada vez mais esta será uma variável integrada num nível mais político de intervenção, de planeamento e de desenho dos espaços interiores e exteriores”, diz.
Espantada por o contacto com arquitectos lhe revelar a escassa importância dada pelos currículos universitários à acústica e ao tratamento sonoro, uma desatenção que se torna flagrante em situações tão corriqueiras quanto um jantar num restaurante em que o ruído engole qualquer tentativa de conversa, a programadora chama a atenção para a iniciativa final do Lisboa Soa, uma mesa-redonda dedicada ao pensamento sobre a cidade a partir da sua relação com o som, intitulada A que deve soar a cidade sustentável e acessível para todos? “Falamos de sustentabilidade de muitas maneiras, mas existe também a parte sonora, porque tudo é cada vez mais ruidoso e cheio, além de que afecta a comunicação, a nossa postura, a nossa saúde e o nosso bem-estar”, argumenta. “O som não é uma variável fácil de se corrigir, mas pode ser pensado de raiz.”
Aprender a ouvir e jantar fora
O grosso da programação do festival, no entanto, aposta na “educação auditiva”, promovida por workshops, instalações e performances sonoras na Tapada das Necessidades. No arranque do Lisboa Soa, a atenção centra-se nas actuações de Allard van Hoorn e Akio Suzuki, exemplos de como cada um dos pontos do programa se propõe, naturalmente, relacionar-se com o espaço: numa colaboração com bailarinos locais, van Hoorn comporá na Estufa Circular do jardim uma partitura em tempo real a partir dos sons envolventes, estímulos a que responderá também o movimento dos intérpretes de dança; Suzuki é um mestre na criação de experiências sonoras a partir da manipulação do eco. Seguir-se-ão Camille Norment (dia 2), Rafael Toral, Rudolfo Quintas e Phonopticon (dia 3).
No capítulo das instalações sonoras – “que têm um lado também visualmente apelativo”, caracteriza Raquel Castro –, o Lisboa Soa apresenta propostas de Sonoscopia, @C, João Bento e Marco Berotti. O viajado dispositivo de Barotti, intitulado Swans, é uma estreia em Portugal, colocando oito antenas parabólicas a flutuar sobre as águas de um lago, fundindo-se com a natureza. Com o propósito claro da educação auditiva, tida como fundamental por Raquel Castro, Maile Colbert e Rui Costa serão os guias de um passeio sonoro para o público infantil, chamando sons de agora e do passado do jardim, enquanto Carlos Santos dirigirá um workshop para maiores de 12 anos em que partilhará ferramentas para a exploração sonora de um lugar.
“Tudo obedecendo a uma dimensão controlada, em que as pessoas se possam conhecer, interagir, para depois irmos jantar juntos e trocarmos impressões”, deseja a programadora. Com a vantagem, óbvia, de esse jantar poder acontecer num criterioso restaurante em que as conversas não se percam no meio do ruído dos talheres.
Notícia actualizada: acrescentada a informação de que o festival se encontra integrado no Lisboa na Rua.