Violação e abuso sexual em 50% das notícias de crimes contra pessoas com deficiência
Investigador analisou artigos publicados ao longo de sete anos num jornal nacional.
Violação, abuso sexual, agressão física, roubo, escravização — as notícias nos jornais que, aqui e ali, dão conta de crimes contra pessoas com deficiência “são apenas a ponta do icebergue”, diz Fernando Fontes, que não tem dúvidas: “fala-se pouco disto”, e praticamente não há dados, tão pouco nas estatísticas dos relatórios de segurança interna. Mas também em Portugal estas pessoas “são alvo de crimes de ódio”.
O investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra analisou os artigos publicados no jornal Correio da Manhã entre os anos de 2006 e 2012. Identificou 129 casos de violência contra pessoas com deficiência. “Não obstante a falta de representatividade destes dados”, reconhece, eles “poderão ser utilizados como um barómetro desta realidade a nível nacional”, relata num dos capítulos do ensaio Pessoas com deficiência em Portugal, que acaba de ser publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Analisadas as notícias, explica: as vítimas são sobretudo do sexo feminino (37% têm 20 ou menos anos), com dificuldades de aprendizagem. Os crimes de violação e o abuso sexual contabilizam 50% das situações.
Os abusadores são maioritariamente homens (90%) e metade têm entre 30 e 60 anos. A grande maioria (75%) são conhecidos das vítimas — vivem na mesma comunidade, ou na mesma instituição, são vizinhos ou, muitas vezes, membros da família (em 36% das situações relatadas).
“Este aspecto, de os agressores serem pessoas conhecidas, tem sido defendido como uma das características distintivas dos crimes de ódio contra deficientes face aos restantes crimes de ódio contra pessoas gay, lésbicas, transexuais, por exemplo. Aí, os crimes de ódio são perpetrados maioritariamente por estranhos”, explica ao PÚBLICO.
Mas o que é exactamente um crime de ódio? “No crime de ódio a violência é cometida com base no preconceito que tenho, neste caso, em relação à pessoa com deficiência. O agressor tem a ideia de que aquela pessoa é mais vulnerável e que se for contar o que lhe foi feito não é uma testemunha credível, ninguém vai acreditar nela. Isto explica também que quase metade dos crimes se prolonguem no tempo”, afirma Fontes.
Depois da análise das notícias, o investigador está agora a entrevistar vítimas para um novo projecto que tem o financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Mais um dado: se as mulheres estão mais expostas a violência sexual, os homens são mais susceptíveis à escravização, roubos e maus-tratos físicos.
Várias instituições internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, têm alertado há anos para o facto de as pessoas com deficiência apresentarem maior risco e maior incidência de fenómenos de violência, por comparação com a população em geral.