Três mitos sobre a nova emigração portuguesa
Emigrar é, para muitos, uma escapatória ao desemprego e à precariedade. Um livro, Regresso ao Futuro – A nova emigração e a sociedade portuguesa (Gradiva), desfaz ideias sobre o que representa esta espécie de êxodo
A emigração está a aumentar desde o princípio do século e acelerou com a crise da dívida e as medidas de austeridade. Para entender a emigração do pós-2000, um grupo de cientistas – incluindo João Peixoto, Isabel Tiago de Oliveira, Joana Azevedo, José Carlos Marques, Pedro Góis, Jorge Malheiros e Paulo Miguel Madeira – analisou fluxos migratórios, lançou um inquérito online, aplicou um inquérito em papel e fez entrevistas aprofundadas a portugueses residentes no Reino Unido, em França, no Luxemburgo, no Brasil, em Angola e em Moçambique. A investigação, desenvolvida entre 2013 e 2015, agora reunido em livro, desmonta os mitos da nova vaga migratória.
A nova vaga migratória é composta apenas por pessoas qualificadas?
Não é verdade. A população residente no estrangeiro é um reflexo da população residente em Portugal. Nas décadas de 60 e 70 do século passado, o grosso dos emigrantes tinha pouca ou nenhuma escolaridade, como o resto da sociedade. Agora, apesar de haver um número significativo e crescente de pessoas com ensino superior, a maioria dos que saem tem escolaridade média ou baixa.
A este nível, os investigadores notam duas grandes tendências. Os que se dirigem para outros países europeus “são, em geral, mais feminizados, mais jovens e menos escolarizados”. “O motivo da saída é, com mais frequência, a descrença e a falta de oportunidades de carreira no país.” Já a parte que se dirige para fora da Europa “é mais masculinizada, menos jovem e mais qualificada”. Vai à procura de novas experiências ou faz deslocações dentro da empresa em que trabalha.
De um modo geral, Angola, Moçambique, Brasil e Reino Unido acolhem mais emigrantes qualificados do que os outros destinos. O Reino Unido, em particular a Grande Londres, revela-se “um espaço de oportunidades profissionais bastante diversificado” e de “acesso fácil para os jovens”, que respondem a ofertas de emprego. Já o fluxo para Angola e Moçambique diz respeito a “profissionais um pouco mais velhos” e está “bastante associado às transferências e ao recrutamento de quadros efectuado pelas empresas portuguesas (e outras) que actuam nesses países”. No caso do Brasil, “o enquadramento das empresas, sobretudo portuguesas, parece menor, emergindo um número importante de quadros técnicos e científicos independentes”.
Portugal perdeu meio milhão de pessoas para a emigração desde o início da crise?
Não é verdade. O Instituto Nacional de Estatística, com base em informação recolhida junto das famílias, contabilizou 485.128 saídas do território nacional entre 2011 e 2014, mas muitas pessoas ficam fora apenas algumas semanas ou alguns meses. Naquele período, as saídas temporárias (inferiores a um ano) somaram 285.814. A população residente passou de 10,5 milhões para 10,4 milhões.
De acordo com os investigadores, ainda é cedo para saber se se tornará decisiva, mas é já claro que a lógica temporária e circular da emigração está a crescer, em especial entre os emigrantes qualificados. Entre 2011 e 2014, as saídas temporárias passaram de 56% para 63% do total.
Esta tendência para saídas temporárias explica-se com factores estruturais como a “precariedade dos contratos laborais, o envolvimento em trabalho à tarefa ou de projecto no estrangeiro, a volatilidade na economia global associada à integração nos mercados de trabalho e ao transnacionalismo empresarial, a livre circulação europeia e a maior imbricação de períodos de trabalho e de estudo”.
Os emigrantes de longa duração já não voltam?
Não é verdade. De acordo com os últimos censos, entre 2001 e 2011 o volume de regressos de emigrantes de longa duração (superior a um ano) alcançou os 40%. Viviam, sobretudo, em França, um velho destino, mas também em países como Espanha ou o Reino Unido, sinal de que “a emigração mais recente parece revelar uma maior tendência para o regresso e, eventualmente, para a remigração”.
O inquérito desenvolvido pela equipa de investigadores (com 6086 respostas válidas) encontra ambiguidade face ao futuro: 27,7% declararam que queriam ficar a viver onde estavam, 29,1% que querem regressar a Portugal, 11,3% que planeiam reemigrar, 31,9% que não tinham ainda tomado uma decisão sobre o futuro.
“A intenção de retorno é a opção mais seleccionada nos países não europeus, especialmente Angola e Moçambique, onde as respostas são superiores a 40%”, o que não será alheio às motivações para emigrar. Mas nem só a vontade importa. Também contam “factores endógenos, como a recuperação económica de Portugal” ou “a imposição de limites à livre circulação no espaço económico europeu ou as oportunidades de negócio das empresas portuguesas”.