"Guardas-florestais vigiam mais a floresta no Inverno"

No Verão, quando a floresta é mais fustigada pelas chamas, os poucos profissionais são desviados para a investigação dos fogos, alerta sindicato.

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Durante o Verão, a necessidade de colaborar nas investigações tira os operacionais das tarefas de prevenção Daniel Rocha/PÚBLICO

No Verão, os incêndios sucedem-se, com mais ou menos área ardida e os conselhos e as análises das mais diversas autoridades nacionais repetem-se. Pede-se investimento na prevenção e não apenas no combate. E nessa equação, surge destacada a importância do trabalho dos guardas-florestais quer no apoio aos bombeiros, quer na percepção dos primeiros sinais de incêndio. Os bombeiros e os ambientalistas não querem que se perca o conhecimento especializado deste corpo florestal. No entanto, nos próximos anos, o número de operacionais só irá diminuir até desaparecer completamente das florestas portuguesas. Não haverá concursos para entrada de novos profissionais e os actuais reformam-se nos próximos 20 anos. 

Actualmente, segundo os dados da GNR, existem 311. A eles somam-se somam-se 78 elementos da Polícia Florestal, integrados na Direcção Regional das Florestas da Madeira, e os elementos da Polícia Florestal de Monsanto, tutelados pela Câmara de Lisboa. Entre os 311, apenas seis são mulheres. Vila Real é o distrito com mais operacionais (52). Segue-se Coimbra, (42), Viseu (32) e Guarda (23). A maioria dos guardas está concentrada no Norte do país.

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Guardas-florestais têm de de dividir tarefas entre vigilância e investigação Carla Carvalho Tomás/Arquivo
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"É um efectivo insuficiente", avalia Messias Fernandes, dirigente do Sindicato da Função Pública do Centro e guarda-florestal há trinta anos. Preocupados com estas questões, com o seu futuro e com a carreira, os guardas decidiram agir: 8 de Setembro, farão uma greve de 24 horas estando também marcada uma manifestação em Lisboa.

“O número ideal para a dimensão do território português seria de mil operacionais. Tudo o que for abaixo disso é pouco”, sustenta. De acordo com a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas (FNSTFP), actualmente o número de operacionais é menos 31% do que há dez anos. O número, defende, fica tão aquém das necessidades que "é mais provável encontrar guardas-florestais dedicados à prevenção durante o Inverno do que durante o Verão", ilustra Messias Fernandes. Isto porque no Verão o escasso número de operacionais mantém-se igual e as tarefas multiplicam-se. Por isso, alerta, os "guardas-florestais vigiam mais a floresta no Inverno que no Verão" quando realmente há grandes incêndios no mato. 

Porquê? Porque é necessário apoiar as autoridades policiais na investigação de causas de incêndios. “Os guardas-florestais estão todos empenhados na determinação de causas. E isso ocupa-nos o tempo de trabalho todo e até o tempo para além do nosso horário de trabalho”, justifica Messias Fernandes. 

No entanto, questionado sobre a eficácia dos 311 operacionais, o Ministério da Administração Interna responde que as funções “no âmbito da caça, da pesca e da floresta, são igualmente desempenhadas por cerca de mil militares do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), com formação especializada” e reforça que este grupo está “plenamente preparado, formado e capacitado para desempenhar todas as missões dos guardas-florestais”.

Apoio essencial aos bombeiros

A explicação não convence, contudo, os bombeiros para quem os guardas florestais são essenciais. Defendem uma nova aposta no neste corpo de profissionais. “Se eram estruturas que funcionavam por que não temos nós coragem de voltar a assumir o que era bom?”, questiona Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. Para o responsável os guardas “já só existem no papel”. E isso resulta, considera, de “decisões políticas que deixam muito a desejar, decisões incompetentes e transversais a todos os governos e partidos políticos”.

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Bombeiros elogiam o papel central dos guardas-florestais Fernando Veludo/PÚBLICO

"É importante termos uma vigilância mais próxima das florestas para além dos membros da GNR, que normalmente actuam apenas depois de serem alertados”, salienta também Domingos Patacho, coordenador do grupo de trabalho das Florestas e dirigente da Quercus.

“Eram pessoas que viviam a floresta, que a conheciam melhor que ninguém. Era uma força permanente que habitava na floresta e tratavam todas as espécies por tu”, relata. “Convivi com guardas-florestais durante muitos anos e sei do que estou a falar”, conta, recordando a sua carreira enquanto comandante de bombeiros. “Quantas vezes me socorri dos guardas-florestais para que me dissessem os melhores percursos para o combate a um incêndio ou os pontos de água”, recorda Jaime Marta Soares.

O início do fim

O prêambulo do fim do corpo de guardas florestais ficou escrito há dez anos, em 2006, no Plano Nacional de Defesa da Floresta que ditou a extinção da carreira de guardas-florestais e avançou com a sua integração no Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR, criado em 2001. Nessa reforma, avançou-se com extinção do Corpo Nacional da Guarda-Florestal, que existia no contexto da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, e os operacionais foram transferidos para a GNR. Ficou também estabelecido que não deveriam ser abertos mais concursos públicos para que mais elementos reforçassem o corpo. Decisão que ainda se mantém na Administração Interna. A extinção deste corpo profissional depende, por isso, do ritmo de aponsentações entre estes guardas.

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A partir de Junho a investigação de incêndios ocupa a maior parte do tempo dos guardas, que se apresentam como os maiores especialistas na determinação de causas Carla Carvalho Tomás/Arquivo

Com uma média de idades nos 52 anos, segundo dados da GNR, e tendo em conta que a idade de reforma de um guarda-florestal é aos 60 anos, os 311 operacionais que agora se contam no terreno irão desaparecer por completo nos próximos 20 anos, estima o dirigente sindicalista, de 53 anos. “Os operacionais mais jovens que temos rondam os 40 anos de idade, pelo que o último guarda-florestal irá desaparecer daqui a 20 ou 22 anos”.

Se o caminho é a extinção, pode o trabalho de um guarda-florestal ser substituído pelos militares da GNR? Na opinião do representante sindical, Messias Fernandes, tal é impossível. Os militares, diz, não têm a formação específica adquirida pelos guardas-florestais. “Não conseguem diferenciar o sobreiro de uma azinheira, nem têm como, pois não têm formação para isso”, e isso interfere quer na investigação dos incêndios, quer no próprio combate. “É importante conhecer as espécies, uma vez que cada um dos prejuízos, no caso da investigação, ou dos comportamentos, no caso da evolução do incêndio, são diferentes”, sublinha.

Ao longo da sua carreira, Messias Fernandes já foi responsável pela identificação de 18 incendiários. Recorda-se do último, a 2 de Setembro de 2014. Quando o identificou, os fogos reduziram-se para metade na zona de Seia que vigia. “Andávamos a desconfiar dele há vários anos. Nesse dia ele deitou três fogos perto de casa e conseguimos apanhá-lo”. O sucesso de identificações de incendiários seria maior se os guardas “tivessem mais hipóteses de andar pela população a conversar com as populações”, acredita.

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