Agressão de Ponte de Sor não põe em causa relações entre Lisboa e Bagdad

Diplomatas e homens de negócios convictos de que a relação entre os dois países não será afectada. Embaixador iraquiano foi recebido no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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Embaixada iraquiana diz que jovens foram provocados Enric Vives-Rubio

As agressões alegadamente infligidas pelos filhos gémeos do embaixador do Iraque em Portugal a Rubem Cavaco, e a possibilidade das autoridades judiciais e o Ministério Público requererem ao Ministério dos Negócios Estrangeiros o levantamento da sua imunidade diplomática, não vão pôr em causa as relações entre Bagdad e Lisboa. Esta é a convicção de diplomatas e homens de negócios contactados pelo PÚBLICO que, embora solicitando o anonimato, são unânimes em considerar que não haverá repercussões nas relações diplomáticas entre ambos os países.

O caso levou ontem o diplomata, Saad Mohammed M. Ali, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde foi recebido pelo Embaixador Chefe do Protocolo do Estado, António Almeida Lima, que tem as competências relativas às imunidades diplomáticas. O breve comunicado emitido pelo gabinete do ministro nada mais refere.

“O Governo iraquiano já compreendeu que se tratou de um erro dos filhos do seu embaixador, não do pai”, sintetiza um perito nas relações luso-árabes e, desde há muito, próximo do Iraque.

 “O pai não pode deixá-los [aos filhos] sozinhos num país estrangeiro”, anota outro conhecedor do Iraque e dos meandros diplomáticos, numa nota de óbvio reparo. “Há coisas que não se podem fazer em Portugal e ficar impunes”, sentencia. “Eles [os filhos] acabarão por ser julgados lá, no Iraque, não se sabe é quando”, admite. Estes peritos não escondem a surpresa, e desagrado, pelo sucedido. Mas consideram que o episódio doloroso de Ponte de Sor que mandou Rubén Cavaco para o hospital em estado grave não afecta o relacionamento entre Portugal e as novas autoridades iraquianas.

Foi por decisão do Conselho Superior de Defesa Nacional de 16 de Dezembro de 2014, que Lisboa enviou militares para treinar a tropa iraquiana na luta contra ao autoproclamado Estado Islâmico (EI). Contudo, os oficiais comando enviados, três dezenas quando de início se admitia cerca de uma centena, só partiram do aeroporto de Figo Maduro, em Maio do ano passado. O compasso de espera entre a aprovação da decisão e a partida foi justificado, então, pela necessidade de preparação do contingente.

Até aquela data, o envolvimento de Portugal contra o jihadismo era sustentado na actividade política e diplomática. Baseava-se na condenação do terrorismo no coro cada vez mais unânime da comunidade internacional e no apoio humanitário aos desalojados. Neste último caso, inserem-se as verbas disponibilizadas, cerca de 230 mil euros em 2014.

No entanto, na reunião de 3 de Dezembro em Bruxelas da coligação internacional – que envolvia 60 países – é constatada a degradação da situação, como a instalação de campos de treino do EI na Líbia e o avanço jihadista em território sírio e no Iraque, tendo sido e solicitado um maior envolvimento aos Estados envolvidos.

Foi neste contexto de apoio às autoridades de Bagdad na luta contra o EI que o contingente português partiu. Entre outras acções de formação, os militares portugueses deram cursos de condução em todo-o-terreno de blindados e de sapadores.

Décadas antes, em pleno conflito Iraque-Irão, Portugal forneceu munições e minas a ambas as partes em conflito. À margem deste tipo de ajuda, e apesar da destruição do tecido produtivo do Iraque, Portugal manteve com este país trocas comerciais regulares.

Contas feitas, no ano passado Portugal era o 22º cliente de Bagdad e o Iraque estava no 54º posto das exportações portuguesas. As principais importações que chegavam ao nosso mercado eram de petróleo e minerais betuminosos que, dada a guerra em 2015, tiveram uma queda de 29,4%, seguida de couros e peles de bovinos e equídeos, com um aumento de 43,5 % no ano passado.

Contudo, na perspectiva do fim da guerra e da árdua tarefa de reconstrução do país, algumas empresas portuguesas tentam encontrar parceiros estrangeiros para virem a operar naquele país. Um objectivo nada fácil, dada a enorme concorrência em liça, comenta um empresário português.

Levantar ou não a imunidade

Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), em nome do Governo, decidir do levantamento da imunidade do pessoal diplomático acreditado em Portugal e dos seus familiares. A mesma tramitação ocorre com a declaração de persona non grata de diplomatas estrangeiros, aos quais é dado um curto prazo, limitado, para abandonar solo português.

Geralmente, a opinião pública é, algumas vezes, informada destas expulsões e decisões já depois de se terem realizado, dado o melindre de algumas situações, como a acusação de actividade não compatível com o trabalho diplomático, vulgo espionagem.

Com o caso dos filhos gémeos do embaixador do Iraque, e dado a estar a decorrer uma investigação judicial que tudo indica vai desembocar num processo-crime, tudo é diferente. Não só a opinião pública tem conhecimento atempado dos factos, como o facto de decorrer uma investigação judicial mudou os dados da equação. Contudo, o vértice da decisão – neste caso levantamento da imunidade diplomática – mantém-se no Palácio das Necessidades, sede do MNE.

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