“É raro o incendiário que põe só um incêndio, põe vários ao longo de anos”
Mais de metade apresentam problemas de saúde mental, eles mais ligados ao alcoolismo, elas à depressão grave. GNR apanhou menos pessoas em flagrante delito.
Rui Almeida, responsável na Polícia Judiciária (PJ) pela área dos incêndios florestais, lê em voz alta a lista das supostas “motivações” de cada um dos 41 detidos por aquela força de investigação por incêndio e fogo posto este ano: “perturbação psiquiátrica”; “alcoolismo”; “apeteceu-lhe”; “conflito com a mãe”; “alcoolismo”; “motivos fúteis”, “alcoolismo”; “chamar à atenção”; “alcoolismo”... a lista torna-se repetitiva. E muitos são repetentes, também. No ano passado, afirma, cerca de 20% dos que foram apanhados pela PJ já tinham sido anteriormente identificados como suspeitos ou já tinham sido arguidos.
“É raro o incendiário que põe só um incêndio, normalmente põe vários, ao longo de anos”, prossegue Rui Almeida. Eles “repetem comportamentos”, até porque muitos não se tratam, “não reconhecem, por exemplo, que têm um problema de alcoolismo, ou não tomam os medicamentos, ou tomam-nos com álcool, ou não têm dinheiro para os medicamentos, ou o médico não valoriza, é difícil fazer generalizações, cada caso é um caso”.
Cristina Soeiro, psicóloga forense na Escola de Polícia Judiciária, defende uma maior articulação entre o sistema de Justiça e o Serviço Nacional de Saúde. Dá um número: “55%, 56% dos incendiários detidos nos últimos anos pela PJ apresentam indicadores de problemática mental”. Alcoolismo, esquizofrenia, depressões graves, exemplifica. “As mulheres mais depressões graves, os homens mais alcoolismo.”
Há juízes que obrigam os arguidos a “ir a duas consultas por ano”, prossegue a psicóloga, mas isso não chega, insiste. “As pessoas não podem ser abandonadas a si próprias, têm de ser tratadas”, nuns casos internadas até, noutros pode justificar-se que seja decretada a sua inimputabilidade.
Petição com 52 mil assinaturas
Cristina Soeiro não acredita que o agravamento das penas previstas seja uma solução — há desde o dia 10 uma petição popular em curso, que já tem mais de 52 mil assinaturas, a exigir que a pena máxima de prisão para os incendiários suba dos oito para os 25 anos de prisão.
A psicóloga lembra que há três tipos de incendiário: o que actua por vingança (tem vindo a diminuir); o que actua para ter benefício (alguém lhe paga para queimar um certo espaço, por exemplo), mas, o que predomina mesmo, pouco mais de metade dos que são detidos, são os tais “casos clínicos”. Se para os dois primeiros tipos de incendiário “a prisão e a justiça restaurativa é o mais adequado”, diz Cristina Soeiro, já os últimos “têm de ser tratados”.
Os dados referentes aos 41 detidos deste ano ainda não foram integrados na base de dados que há anos vem sendo compilada na PJ para actualizar os perfis dos incendiários portugueses — uma base de dados que inclui desde 1995 cerca de 550 perfis, muitos deles traçados a partir de entrevistas feitas pelos psicólogos da PJ.
Mas, diz Rui Almeida, numa primeira apreciação empírica das informações que existem para já, o “traço grosso” do perfil do incendiário não parece ter mudado em 2016. Continuam a ser mais homens — 39 homens contra duas mulheres (no ano passado foram três). Predomina a meia-idade mas também há casos excepcionais, como sempre acontece — o mais jovem detido deste ano tem 17 anos, foi apanhado pela PJ de Vila Real, é estudante, e foi alvo de uma medida de internamento compulsivo numa instituição psiquiátrica. Mesmo o número de detidos, diz Rui Almeida, é “semelhante ao do ano passado”, ano que terminou com um total de 52 detenções.
GNR com menos 39 detidos
Já a GNR — que apenas faz detenções de incendiários em casos de flagrante delito, os restantes casos de incêndios de origem intencional são encaminhados para a PJ que investiga e detém suspeitos — deteve até agora 11 pessoas (duas mulheres com 59 e 67 anos e nove homens entre os 18 e os 86). São menos 39 detidos do que em igual período de 2015, fez saber esta força de militar em resposta ao PÚBLICO.
Para além disso, outras 319 pessoas foram identificadas (menos 371 do que em 2015 em igual período) tendo-se registado também uma quebra no número de ocorrências de incêndio — 10.548, menos 6795.
Como se explica estas diminuições em todos estes parâmetros? Segundo o chefe da divisão de Comunicação e Relações Públicas da GNR, major Marco Cruz, desta forma: o ano estava a correr bem do ponto de vista de incêndios, choveu muito nos primeiros meses do ano, as temperaturas não eram elevadas e o número de ocorrências registadas era, “até há duas, três semanas, muito mais baixo do que no ano passado”.
Menos fogos significa menos incendiários apanhados em flagrante, menos detidos e menos identificados por suspeita de crime, continua. “Só há duas, três semanas tudo mudou, o cenário alterou-se radicalmente. E foram semanas dramáticas.”