Uma nova era no tratamento da diabetes tipo 2?
O diagnóstico da diabetes tipo 2 pode ser desconhecido em quase metade dos doentes.
A diabetes mellitus é uma doença crónica e progressiva que se caracteriza por níveis de açúcar (glicose) elevados no sangue e atinge 13,1% da população portuguesa. Acompanhando a epidemia da obesidade temos assistido a um aumento progressivo do número de diabéticos em Portugal e em todo o mundo. A doença pode ser classificada em 2 classes principais: diabetes tipo 1, que se caracteriza por uma carência absoluta de insulina e aparece caracteristicamente nas crianças, e diabetes tipo 2, que corresponde a cerca de 90 a 95% dos casos e que é típica dos adultos. A diabetes tipo 2 aparece com os sintomas clássicos de muita sede, urinar muito e muita fome e observa-se em doentes obesos, mas o diagnóstico pode ser desconhecido em quase metade dos doentes.
As doenças cardiovasculares — o enfarte do miocárdio (EM) e falta de vascularização do coração, o acidente vascular cerebral (AVC) e a falta de vascularização do cérebro, e a doença arterial periférica e a falta de circulação dos membros — são a principal causa de morte nas pessoas com diabetes (50% dos casos), em particular na diabetes tipo 2. Um quarto dos doentes que morrem a nível hospitalar têm diabetes. Em 2014, houve, em Portugal, 12.915 internamentos por diabetes e EM/AVC. A mortalidade nos diabéticos é maior que na população em geral. No EM, a mortalidade intra-hospitalar foi em 2014 de 9,3% nos diabéticos comparativamente com 8,2% nos não diabéticos. Verifica-se ainda que 20% das pessoas com diabetes tipo 2 apresentam insuficiência cardíaca, isto é, o coração torna-se incapaz de bombear o sangue que lhe chega e por isso acumula-se nos pulmões, causando falta de ar, e nos membros, causando edemas.
O tratamento da diabetes assenta nas modificações do estilo de vida — aumento da actividade física (pelo menos 175 minutos por semana) e redução do peso através de um programa alimentar equilibrado pobre em gorduras, açúcares refinados e rico em fibras. Após estas medidas, o tratamento com medicamentos deve incluir a metformina. Faria sentido que o controlo da glicemia através destas e outras medidas farmacológicas se traduzisse numa redução dos eventos cardiovasculares mas a maioria dos estudos realizados até hoje não o tem comprovado.
No mês passado, foi publicado um ensaio — estudo LEADER — usando um dos mais recentes antidiabéticos ao dispor dos nossos doentes, o liraglutido, que demonstrou reduzir a mortalidade e o risco de eventos cardiovasculares graves em doentes com diabetes tipo 2. O estudo mostrou uma redução significativa de 22% de morte cardiovascular e reduções de EM não fatal e de AVC não fatal em doentes em tratamento. A morte por qualquer causa também foi reduzida significativamente em 15%. O estudo mostrou ainda uma redução significativa de 12% na hospitalização por angina instável, na revascularização coronária e na hospitalização por insuficiência cardíaca.
O liraglutido está disponível em Portugal e comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde para diabéticos com um índice de massa corporal superior 35 kg/m^2. Este é o único tratamento deste tipo aprovado que demonstrou num estudo clínico para avaliação de resultados cardiovasculares, uma redução significativa dos eventos cardiovasculares graves em comparação com placebo, ambos quando adicionados ao tratamento habitual.
Os agonistas deste tratamento são dos mais potentes antidiabéticos disponíveis reduzindo a hemoglobina glicada em cerca de 1,5%, actuam estimulando a secreção de insulina e inibindo a produção de outras hormonas que aumentam o açúcar no sangue.
O ensaio clínico foi realizado em doentes diabéticos com um risco cardiovascular aumentado, pois 80% dos doentes já tinham tido um evento cardiovascular prévio. Este risco aumenta exponencialmente após um evento cardiovascular num doente diabético. Neste caso, o risco passa a ser quatro vezes superior para um doente com história prévia de um destes eventos e chega a quase sete vezes mais quando os dois se associam no decurso da doença. O uso do liraglutido demonstrou ainda reduzir as complicações microvasculares, em particular as complicações renais.
Os resultados do estudo LEADER abrem uma nova perspetiva no tratamento da diabetes tipo 2 permitindo agora, para além da redução da glicose e da perda de peso, evitar complicações cardiovasculares nestes doentes e aumentar a sua esperança de vida.
Director do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Centro Hospitalar S. João e professor Associado com Agregação da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto