Não é floresta laurissilva mas espécies infestantes que têm estado a arder

Uma parte do Parque Ecológico do Funchal foi afectado, mas esse já fora destruído quase por completo em 2010.

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Nos últimos 40 anos, a população virou costas à agricultura AFP/HELDER SANTOS

Chamas a rodear casario não era algo que se visse na Madeira. As casas foram tomando a encosta. Os terrenos incultos foram ganhando espaço entre as casas. E o vento, em vez de se virar para cima, como era costume, agora virou-se para baixo, como já tinha feito em 2012 e em 2013.

Não é “a floresta” que está a arder. “A floresta”, na Madeira, é a laurissilva, húmida, subtropical, classificada pela UNESCO como Património da Humanidade. Essa concentra-se na costa Norte, dos 300 aos 1300 metros de altitude, e é resiliente. Na costa sul, onde lavram incêndios há vários dias, é rara e só ocorre entre os 700 e os 1600 metros. Entre os 400 e os 800 metros há espécies infestantes ou exóticas, isto é, acácias, eucaliptos, pinheiros bravos, canavieiras, silvas e outros matos, que crescem de forma espontânea e que ardem com uma grande facilidade.

“Perdemos perto de um hectare de urzal”, afirma o director regional de Florestas da Madeira, Miguel Sequeira, esta quarta-feira num curto telefonema. “Na sucessão ecológica, o urzal é a formação arbustiva que antecede a floresta”, explica. As chamas conseguiram passar do Sul para Norte da ilha. Deflagrou um incêndio na Calheta e abriu caminho. “Conseguimos contê-lo antes de chegar ao Vale do Rabaçal”, afiança.

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De resto, no que ao coberto florestal diz respeito, o que tem estado a arder são infestantes ou exóticas. As chamas alcançaram o Parque Ecológico do Funchal, mas esse fora destruído em 2010. “O que ardeu foi mata de substituição. Nalguns sítios, admito, fragmentos de urzal”, diz ainda Miguel Sequeira.

O Parque Natural da Madeira abrange cerca de dois terços do território da ilha, ou seja 67% da sua superfície. Tem zonas com diferentes estatutos de protecção. O mais elevado diz respeito às reservas totais e parciais. O mais baixo concerne a zona de transição. Essa zona, que serve de tampão, isto é, que deve absorver os impactes das intervenções humanas, representa cerca de 60% do parque. 

A ilha é vulnerável a propagação de fogos. Por norma, a velocidade de propagação do fogo duplica a cada aumento de 10% de declive. “Temos relevo muito acidentado, encostas muito declivosas”, aponta Hélder Spínola, ambientalista,  professor na Universidade da Madeira. E o desordenamento do território aumentou a vulnerabilidade. O tecido urbano é descontínuo. A vegetação toca quase tudo.

Nos últimos 40 anos, a população virou costas à agricultura. Muitos deixaram a ilha. Os que ficaram empenharam-se nos sectores do turismo e da construção civil e obras públicas. A grande maioria vive na faixa que vai de Machico à Ribeira Brava. Nas cidades, as casas foram subindo a serra. Ao mesmo tempo, entre elas, multiplicaram-se os espaços devotados ao abandono. “Esse fenómeno de abandono do terreno não é novo”, reconhece. “O que mudou foi a direcção do vento.”

Até 2010, ardia, sobretudo, mato. Em Fevereiro desse ano, houve um aluvião – multiplicaram-se as inundações e derrocadas. Em Agosto, ardeu a floresta que cobria parte da cordilheira central da Madeira e quase todo o Parque Ecológico do Funchal, que tem como objectivo erradicar plantas infestantes e substituí-las por espécies indígenas da laurissilva como o til, o vinhático, a faia, o loureiro e a urze.

Em Julho de 2012 e em Agosto de 2013, em vez de se virarem para cima, as chamas viraram-se para baixo. Da primeira vez, pânico em Santa Cruz (freguesias da Camacha e Gaula) e no Funchal (São Gonçalo). Da segunda vez, pânico noutra parte do Funchal (Santo António). Agora, não se limitaram a assustar a zona alta. Ajudadas pelo vento, desceram a ribeira de Santa Luzia e foram até à baixa.

O problema, considera João Branco, presidente da Quercus, é que na Madeira, como no resto do país, não se cumpre a legislação de defesa da floresta. Inúmeros proprietários não limpam matos. E as autarquias e o Instituto Nacional de Conservação da Natureza e das Florestas raramente tomam o seu lugar. 

 Na Madeira há um esforço recente, mas insuficiente para limpar os terrenos incultos, torna Hélder Spínola. “É difícil obrigar as pessoas”, nota. Amiúde, os terrenos pertencem a residentes no estrangeiro ou a herdeiros diversos. Nos últimos dias, tudo se conjugou, resume o biólogo. A Madeira é conhecida pelo clima subtropical, ameno, sem grandes variações de temperatura. E viu cumprir-se a regra dos 30: uma temperatura acima dos 30 graus, uma humidade inferior a 30%, um vento superior a 30 quilómetros por hora.

 

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