Quando o fogo se multiplica, há quem vista a pele de combatente e quem se resigne
Esta segunda-feira pelas 21h30, contabilizavam-se 130 incêndios florestais no distrito do Porto, um pouco mais de um terço dos 385 registados em todo o país. O plano de emergência foi accionado.
De giesta na mão, António Freire declarou guerra ao fogo. Camisa clara, calças de fato e sapatos de verniz, o empresário de 63 anos veio mal o avisaram. Deixou a sua pizzaria no Marco de Canavezes para vir proteger outros bens. Falamos dos três mil hectares de um eucaliptal que possui na freguesia de Vila Boa de Quires, a uns quilómetros da cidade. <_o3a_p>
A urgência não permitiu uma indumentária mais adequada. Improvisar é aliás a palavra de ordem. Alguns improvisaram viaturas de combate como Rui Ribeiro, 27 anos, que conduz um tractor com um depósito de água e uma mangueira atrelada. São seis ou sete por ali. Maria dos Prazeres Ribeiro está em frente a casa com uma mangueira que deita água, com pouca convicção. Tenta demover as chamas que devoram o mato do outro lado da rua. Os bombeiros não param aqui. Mas ninguém leva a ausência a mal. “Há tanto fogo por todo lado que não há hipótese de socorrer todos”, desvaloriza António Freire. <_o3a_p>
Os populares a defender o seu foi o que mais registámos esta segunda-feira no distrito do Porto. O fim-de-semana tinha sido complicado e levou a que pouco depois da meia-noite de domingo a Comissão Distrital de Operações de Socorro decidisse accionar, pela primeira vez, o plano de emergência. “Temos um cenário muito complicado, com muitas ocorrências. E começávamos a sentir incapacidade na força de bombeiros”, justifica o comandante operacional distrital do Porto, tenente-coronel Carlos Alves, numa conversa sintética. <_o3a_p>
Não tem mãos a medir, nem tempo para grandes conversas. “Solicitámos presença militar e já temos dois pelotões a trabalhar em Gondomar”, resume. Agilizar a mobilização de meios extraordinários é um dos principais objectivos do plano de emergência. Mais de 1300 operacionais, cerca de 360 viaturas e pelo menos seis meios aéreos ajudaram a debelar mais um dia de incêndios. Mas ao fim da noite não havia muitos motivos para cantar vitória. <_o3a_p>
Minutos depois das 21h30, o site da Autoridade Nacional de Protecção Civil traduzia em números as preocupações do comandante distrital do Porto. Contabilizada só nesta segunda-feira 130 incêndios florestais no distrito, um pouco mais de um terço dos 385 registados em todo o país. A essa hora, 45 ocorrências ainda se mantinham activas no distrito, mais de meia dúzia das quais não mobilizavam qualquer meio. <_o3a_p>
A situação repetira-se ao longo do dia. Nos bombeiros do Marco de Canavezes quem atendia os telefones não escondia a agonia. “Temos oito ou nove ocorrências activas no concelho. Mas não consigo arranjar meios para mais de metade”, lamentava-se pelas 18h o telefonista. <_o3a_p>
Quem percorria as estradas do concelho percebia o drama. Com facilidade, num ponto alto contabilizavam-se meia dúzia de colunas de fumo dispersas pela paisagem. E a névoa de fumo que se instalara nem permitia ver muito além. Por vezes avistava-se um helicóptero a fazer descargas. Mas não parecia ter grande efeito. “Está tudo a arder”, constatava Rogério Monteiro, junto à povoação de São Salvador, na freguesia de Soalhães.<_o3a_p>
Cruzamos mais de uma dúzia de quilómetros desde Vila Boa de Quires, mas o cenário não é muito diferente. Desta feita, contudo, os populares assistem de braços cruzados à progressão das chamas. Resignados à sua força. Uma casa abandonada está a arder. No dia anterior tinham sido as galinhas de uma vizinha. Vigiam e rezam para que o fogo não chegue às casas. Maria da Luz Pereira, moradora de São Salvador, explica que têm pouca água. “É para consumo. Não dá para isto”, explica.<_o3a_p>
A uns quilómetros, na mesma freguesia de Soalhães, mas num outro fogo o bombeiro Flávio Coutinho, 32 anos, não tem mãos a medir. Os colegas estão na frente de fogo e a ele cabe-lhe dar-lhes condições de trabalho. À medida que o combate progride, Flávio vai juntando, sucessivamente, as pontas de várias mangueiras e garantindo que os encaixes não abrem. Nos longos minutos, que assistimos à azáfama contamos 14 mangueiras transformadas numa só. Flávio admite o cansaço. Está no terreno desde as 8h de domingo e ao fim da tarde de segunda já sonha com a cama. Esta noite valeram-lhe umas horitas de sono no carro. <_o3a_p>
Apesar da falta de meios, António Freire está satisfeito por ter preterido a pizzaria. “Estou a vigiar o meu monte. Se não estivesse cá, já tinha ardido tudo”, explica-nos, enquanto mostra uma mancha preta na terra. É a marca de uma projecção que o empresário debelou com a ajuda da sua giesta. E já à noite, pelo telefone, mostra-se com a certeza do dever cumprido. É que, pelo menos desta feita, os eucaliptos resistiram. <_o3a_p>