Finalmente, o grande dia olímpico de Telma Monteiro
À quarta tentativa, a judoca portuguesa conseguiu no Rio o bronze olímpico. "O mais importante é que ainda fui a tempo", diz Telma.
A vida competitiva de um judoca é feita de dias. Cada categoria disputa-se integralmente num dia e esses dias podem ser mais curtos ou mais longos consoante o que os judocas fizerem no tapete. Um dia longo no judo significa que foi um dia bom. E Telma Monteiro já teve muitos dias longos e bons em Europeus, Mundiais e outras grandes provas internacionais. Mas faltava-lhe um grande dia olímpico. À quarta tentativa, esse dia aconteceu. Telma Monteiro conquistou a medalha de bronze na categoria de -57kg, após derrotar a romena Corina Caprioriu, inaugurando o medalheiro português nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
Aos 30 anos, a glória olímpica é algo que Telma Monteiro pode meter na pilha das coisas que já conquistou, juntamente com cinco títulos europeus e quatro medalhas de prata em Mundiais. E era algo que a judoca do Benfica perseguia há 12 anos, desde os Jogos de Atenas em 2004, quando tinha apenas 18. Se na capital grega foi, sobretudo, aprendizagem, os pódios falhados em Pequim 2008 e Londres 2012 foram bem mais frustrantes. Mas a redenção aconteceu na Cidade Maravilhosa e no Arena Carioca, onde o público brasileiro, que ensaiou os gritos ante o ouro de Rafaela Silva na categoria, também celebrou com Telma — a brasileira teria a honra de conquistar o primeiro ouro para o Brasil, face a Sumiya Dorjsuren, da Mongólia, enquanto a japonesa Kaori Matsumoto, campeã em Londres, ficou com o outro bronze.
Logo de manhã aconteceu algo que os mais supersticiosos poderiam interpretar como um sinal. Ao mesmo tempo que Telma se desembaraçava facilmente da neozelandesa Darcina Manuel, no tatami ao lado a norte-americana Marti Malloy perdia com Lien Chen-Ling, da China Taipé — Malloy tinha derrotado a portuguesa em Londres logo no primeiro combate, chegando, depois ao bronze. Na “chave da morte” em que a portuguesa estava metida, seguia-se Dorjsuren, principal favorita ao ouro, e Telma ainda resistiu bem. Conseguiu levar o combate para Golden Score, acabando por ser penalizada por falta de combatividade perante a agressividade nos limites do permitido da asiática.
Mas, por ter chegado aos “quartos”, Telma já havia garantido que iria ficar para a tarde e continuar na luta pela medalha de bronze. Foi logo o primeiro combate da sessão vespertina, a portuguesa contra a francesa Automne Pavia, bronze em Londres e antiga campeão europeia. Foi uma contenda rápida que durou um minuto, com Telma a vencer por ippon com uma chave de braços. Por ser a primeira da tarde, teria mais tempo para descansar que a adversária, vice-campeão olímpica.
No combate do bronze, a atleta do Benfica pontuou com yuko nos instantes iniciais, mas, pouco depois, percebeu-se uma limitação no ombro esquerdo da portuguesa. A romena tentou atacar este ponto fraco, mas Telma defendeu-se bem. Os segundos passaram lentamente, as paragens foram muitas e era visível que Telma estava pronta a explodir com gritos e celebrações que estavam guardados há 12 anos. Acabava a obsessão, o seu palmarés estava agora mais completo e o judo português passava a ter dois pódios olímpicos, este a juntar ao bronze de Nuno Delgado em Sydney 2000 — e a 24.ª medalha portuguesa nos Jogos.
“Costuma dizer-se que à terceira é de vez, à quarta foi medalha. Em Pequim estava obcecada por conquistar a medalha de ouro, hoje não, só queria fazer história pelo meu país. Quando perdi com a mongol, pensei, o judo é assim. Tinha a francesa campeã da Europa que já me ganhou várias vezes e eu disse, se conseguir vencer a francesa, levo a medalha para casa”, confessou no final a judoca portuguesa, cujo melhor resultado olímpico antes deste bronze tinha sido um nono lugar, em 2004 e 2008. “A romena queria jogar no meu erro. Não estava ali para fazer bonito, estava ali para ganhar, tinha de dar tudo. Depois tive aquela dor no ombro e, quando vi que faltavam dois minutos, aguentei”, acrescentou.
Sendo uma relativa candidata ao pódio, Telma Monteiro não se encontrava no seu pico de forma à entrada para o judo olímpico do Rio, sendo que, há seis meses, estava numa cama de hospital, a ser operada a uma lesão no joelho esquerdo. Foram muitos meses sem competição, mas o regresso, já em Junho passado, deixara boas indicações. Restava saber se seria suficiente para alcançar um objectivo que falhara em outras ocasiões quando se apresentava em condições mais favoráveis e com outro estatuto.
As dúvidas, admitiu a judoca já de medalha ao peito, eram muitas nessa altura: “Foram meses de receio, lágrimas e muita luta. Pensei que podia não estar aqui hoje. Tudo o que eu queria era ter mais uma oportunidade. Passei mais meses a recuperar do que a treinar, mas às vezes as coisas acontecem assim. Já vim favorita e não deu. Hoje vim com o joelho ligado, o ombro luxado, mas foi na garra, no querer. Teve de ser, tinha de dar.”
O futuro para Telma é já amanhã e já “só” faltam quatro anos para ir a Tóquio defender a sua medalha. Mas entre os Jogos na cidade do samba e os Jogos na pátria do judo ainda há muitos dias bons para ter. “Quero descansar, desfrutar e, depois, voltar. Precisei de quatro Jogos Olímpicos para ganhar uma medalha. Precisei de perceber como é que se ganhava uma medalha. O mais importante é que ainda fui a tempo. Daqui a quatro anos, o meu objectivo é estar em Tóquio, desfrutar no país do meu desporto e terminar em grande. Entretanto, quero é continuar a ganhar medalhas. Nunca é de mais. Agora tenho uma energia diferente.”