O fogo na floresta que entra pela cidade dentro
O distrito do Porto é o recordista nacional de fogos florestais. O desordenamento, a falta de gestão da floresta, a monocultura de eucaliptos e a negligência da população transformaram a região densamente povoada num barril de pólvora.
O distrito do Porto transformou-se nos últimos dias numa densa rede de pontos vermelhos e de colunas fumegantes. Por hábito, este território é o que todos os anos regista mais ocorrências de incêndios florestais – em 2010 houve mais de seis mil fogos contabilizados e no ano passado foram 3755. Mas no último fim-de-semana a situação foi especialmente difícil: no sábado, o fogo aproximou-se perigosamente das zonas urbanas de Melres, Gondomar; na tarde de domingo, quem cruzasse o distrito entre Amarante e o litoral podia ver no horizonte dezenas de focos de incêndios a lavrar perto de habitações e, à noite, o fumo sentia-se até nas praias; no final da manhã de segunda-feira a Protecção Civil registava 27 incêndios no distrito.
Numa região onde não se sabe onde acaba a floresta e onde começam os perímetros urbanos, os incêndios que se multiplicaram nos últimos dias são o testemunho do desordenamento do território e da ausência de políticas de prevenção. As soluções técnicas para evitar situações dramáticas como a dos últimos dias “estão todas nos planos nacionais e distritais de prevenção e combate aos fogos florestais”, diz Rosário Alves, secretária executiva da Forestis – Associação Florestal de Portugal. O problema é que não se cumprem. Falta planeamento, falta a sensibilização das populações e, sublinha Rosário Alves, falta “gestão no espaço de interface entre a floresta e as zonas urbanas”.
No papel, os espaços da floresta nacional aproximam-se da perfeição. Os planos regionais de ordenamento florestal (PROF), as zonas de intervenção florestal e os planos de gestão florestal definem riscos e potenciais, agrupam produtores para promoverem a partilha de responsabilidades e impõem regras aos proprietários e aos moradores das zonas próximas da floresta – por exemplo, não pode haver material combustível perto das estradas ou a 50 metros das habitações e nas manchas florestais contínuas tem de haver “redes divisionais” sem floresta ou com espécies florestais capazes de travar o avanço do fogo. O problema é que “continuamos a fazer planos, mas não criamos condições para que as coisas se façam no terreno”, diz Rosário Alves.
A GNR tem a responsabilidade de verificar se a limpeza das zonas perto das habitações é feita como a lei impõe, mas nem tem meios para fiscalizar as centenas de povoações que, no Entre o Douro e Minho, ficam perto da floresta nem dispõe de um cadastro actualizado para obrigar os proprietários a actuar. Depois, os próprios proprietários, muitas vezes envelhecidos e donos de pequenas parcelas, não dispõem de recursos para pagar a limpeza das matas – entre 1200 e 1300 euros por hectare de três em três anos. “Este é um sector que depende muito das políticas públicas”, diz a secretária executiva da Forestis. E, nota Rosário Alves, os apoios do estado à floresta têm vindo a diminuir até em questões sensíveis como a sensibilização das populações.
No ordenamento, os problemas têm-se agravado. Um pouco como em todo o país, o Litoral Norte tornou-se uma mancha quase contínua de eucalipto – e a monocultura agrava o risco de propagação dos fogos. A nova legislação para arborização e rearborização aprovada pelo anterior Governo (e posta em causa pelo actual, embora sem que tenha havido mudanças) fez com que entre Outubro de 2013 e Janeiro deste ano tivessem sido plantados 24 mil hectares de eucaliptos num total de 40 515 hectares de novos povoamentos. Zonas como Gondomar, concelho que, de acordo com o PROF do entre o Douro e o Vouga tem 80% da sua área em risco grave de incêndio, ou Valongo, tornaram-se eucaliptais contínuos.
O facto de haver largas manchas florestais ao lado de vilas e cidades (50% do concelho de Valongo, mesmo ao lado do Porto, é floresta) não é um problema em si. “Haver pessoas na floresta torna a vigilância mais apertada e o combate mais imediato”, nota Rosário Alves. O problema é que, como 98% dos incêndios têm origem humana, a vizinhança nem sempre dá bons resultados. Um estudo sobre as causas de incêndio publicado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas nota que entre 2003 e 2013, 69.6% dos incêndios registados no distrito do Porto resultaram da negligência e 30.2% tiveram uma origem intencional.