Escolas públicas perderam quatro vezes mais professores que as privadas

De 2004 a 2015 saíram 42 mil docentes do sistema de ensino, três quartos dos quais durante os anos da troika.

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Só durante os anos de intervenção da troika foram 31 mil os professores que deixaram o sistema de ensino Cláudia Ribeiro/NFactos (arquivo)

Ao longo da última década, um quarto dos professores que ensinavam nas escolas nacionais deixou a profissão. O facto não é uma novidade para quem acompanha o sector, mas o relatório sobre o Perfil do Docente publicado, no final do mês passado, pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) permite perceber que a saída dos docentes teve quatro vezes mais impacto nas escolas públicas do que nos colégios e que três quartos destas saídas aconteceram durante os anos de intervenção da troika.

De acordo com aquele relatório, cuja última actualização diz respeito ao ano lectivo 2014/2015, nos dez anos anteriores 42.165 docentes deixaram as escolas nacionais, o que representa mais de um quarto (27%) do total de efectivos que estavam ao serviço em 2004/2005. O número dos que saíram foi superior no 3.º ciclo e ensino secundário (menos 16.224 professores, ou seja, 40% do total das saídas), mas a tendência foi transversal aos diferentes níveis de ensino.

Quando se analisam os dados da DGEEC percebe-se, no entanto, que esta realidade afectou de forma particular as escolas públicas. Foi nos estabelecimentos de ensino da rede do Estado que se concentrou a quase totalidade dos abandonos dos docentes ao longo da última década (98%). Já os colégios privados perderam menos de mil profissionais em dez anos (920), o que significa uma quebra de 6,5% do total de efectivos. As escolas públicas perderam 25% dos professores, ou seja, tiveram quatro vezes mais saídas.

Estes são números que não surpreendem o líder da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, uma vez que, nos últimos anos, foram tomadas medidas “específicas das escolas públicas” que contribuíram para esta situação. São disso exemplo o encerramento dos estabelecimentos do 1.º ciclo com menos de 25 alunos, a criação de agrupamentos de escolas e o aumento do número de alunos por turma, que contribuíram para a redução do número de docentes.

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Filinto Lima, da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), acrescenta ainda como explicação as medidas de austeridade aplicadas sobre a função pública. Os cortes nos vencimentos, o aumento da idade da reforma e o congelamento das progressões levaram muitos professores a saírem do sistema — pedindo a pré-reforma ou mudando de profissão — mais cedo do que seria expectável. “Saíram desiludidos e alguns deles ainda tinham muitos anos para dar”, sublinha Filinto Lima.

O efeito da austeridade

Os anos de vigência do programa de assistência financeira da troika (2011 a 2014) foram aqueles em que mais professores abandonaram as escolas nacionais. Ao todo, registaram-se 31.352 saídas, representando três quartos do total de docentes que deixaram de dar aulas na última década. Mais uma vez, as escolas públicas são as mais afectadas — 94% dos docentes que deixaram o sector nesses três anos estavam em escolas do Estado —, mas aquele foi também o período em que as escolas privadas perderam mais gente. Os colégios viram sair 13% do seu corpo docente entre 2011 e 2014. No mesmo período, as escolas públicas perderam 22,6% do efectivo.

Ainda que a maior parte das saídas tenha acontecido nos anos de aplicação do memorando — e, por consequência, de Nuno Crato à frente do Ministério da Educação —, a tendência de diminuição do número de docentes já tinha começado no ano anterior, quando o Governo socialista de José Sócrates, com Isabel Alçada na tutela, aplicou cortes no sector que resultaram numa diminuição de efectivos de 3% face ao ano anterior. Curiosamente, nos três anos anteriores, também com executivo do PS, o total de docentes tinha aumentado sempre, totalizando um crescimento de 5926 efectivos.

A redução do número de docentes tem sido apontada como uma consequência da quebra demográfica que há anos atinge o país e que tem feito reduzir o número de alunos inscritos nas escolas. De facto, nos mesmos dez anos a que diz respeito o relatório da DGEEC, o número de alunos a frequentar os três ciclos do ensino básico e o ensino secundário baixou, mas apenas 6,2% — menos 92.423 inscritos.

Mesmo sem recorrer a estes números, o presidente da ANDAEP refuta que a demografia seja a explicação para a redução do total de docentes: “O que aconteceu é que os professores estão a trabalhar mais tempo do que antigamente.” “Quem anda nas escolas sabe perfeitamente que esta não é apenas uma questão demográfica”, acrescenta Alexandre Henriques, professor e autor do blogue Com Regras. “Nós continuamos a ter turmas grandes e temos muito mais trabalho.”

Prova disso é o rácio do número de alunos por professor, que aumentou nos últimos anos em todos os níveis de ensino. Por exemplo, no 1º ciclo, o número de alunos por cada professor passou de 12,6 em 2004/2005 para 15,4 em 2014/2015. No 3.º ciclo e ensino secundário, o nível onde há mais professores, o rácio é actualmente de 9,2 alunos por professor, 1,1 pontos mais elevado do que dez anos antes.

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