Projecto de alargamento da Ponte Luís I está a ser repensado
Associações de defesa do património criticam mexidas na ponte. Ante-projecto de Virgínio Moutinho foi retirado antes de obter parecer da Direcção Geral do Património Cultural
A Câmara do Porto pediu à Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) que não emitisse parecer sobre o ante-projecto do arquitecto Virgínio Moutinho para alargamento do tabuleiro inferior da Ponte Luís I, divulgado publicamente em Março deste ano. O processo foi retirado da DGPC, e estará a ser repensado. Desconhecendo este facto, esta sexta-feira, duas associações de defesa do património divulgaram uma carta aberta contestando a intervenção proposta, e a ausência de um debate público sobre a obra que não se sabe se chegará a ser realizada.
A Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Protecção do Património (APRUPP) e a Associação portuguesa para o Património Industrial (APPI) enviaram esta semana uma carta aberta às câmaras de Gaia e do Porto, à empresa Infra-estruturas de Portugal (dona da ponte), à Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) e à direcção Regional de Cultura do Norte alertando que, segundo a Carta de Nara, aprovada nesta cidade japonesa em 1994, “a classificação de um monumento a Património Mundial pela UNESCO tem na base dois parâmetros fundamentais: a autenticidade e a integridade”. E, para estas organizações, “ambos os aspectos ficam comprometidos com intervenções que adicionam elementos construtivos para fora dos limites laterais da ponte” Luís I.
O alargamento da centenária ponte de ferro, projectada por Theóphile Seyrig, é defendida pelas Câmaras do Porto e de Gaia, que aproveitaram um ante-projecto do arquitecto Virgínio Moutinho e dos engenheiros António e José António Campos e Matos e tentaram convencer a empresa Infra-Estruturas de Portugal a acrescentar duas plataformas suspensas de cada lado da ponte, para atravessamento de peões, à empreitada de reabilitação do tabuleiro inferior que tem no seu plano de actividades. Os desenhos foram apresentados às entidades que tutelam a cultura e, depois de uma informação técnica favorável da estrutura regional, esperava parecer, este vinculativo, da DGPC. Questionada pelo PÚBLICO, fonte desta entidade explicou que o processo foi no entanto retirado, para reformulação, a pedido do município do Porto, ainda antes de ser emitido um parecer.
Defendido pelo vereador do urbanismo da Câmara do Porto, Correia Fernandes, o ante-projecto de Virgínio Moutinho foi alvo de discussão numa reunião de câmara, a 3 de Março. O autarca, também ele arquitecto, e bem conhecido pelas suas posições em defesa do património da cidade, explicava, nessa altura, que a Ponte Luís I tinha sofrido várias alterações ao longo da sua história desde a sua entrada em pleno funcionamento, em 1888. A última destas recordou, implicou o alargamento do tabuleiro superior, para que a introdução do metro de superfície não implicasse o desaparecimento da ligação pedonal, à cota alta, entre as duas margens. E não sendo possível, assinalava, construir de imediato outra ponte para reforçar a capacidade de circulação de peões entre as ribeiras do Porto e de Gaia, esta seria, segundo Correia Fernandes, “a solução mais doce”, para fazer face a esta necessidade.
Nessa altura, o vereador da CDU, Pedro Carvalho, e o social-democrata Ricardo Almeida insistiram na necessidade de se promover um debate sobre a obra, tendo em conta a classificação da ponte. E esta sexta-feira, a APRUPP e a APPI insistem neste ponto. Condenando “esta ou outras soluções que objectivamente vão interferir negativamente na imagem de um dos ícones do Património do Porto e Gaia, classificado pela UNESCO, e integrado na recente denominação Centro histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar, aprovada por esta organização mundial”, as duas organizações insistem que o projecto “não teve o necessário debate público promovido pelas entidades que o estão a motivar”.
A câmara de Gaia não tinha, até ontem, recebido a carta aberta das duas organizações, e foi parca em comentários, até porque a intervenção, que estava disposta a co-financiar, estará sempre dependente da aceitação da DGPC, e da articulação desta com a dona da ponte, que até está a atrasar a intervenção de reabilitação do tabuleiro para perceber se avança ou não com o alargamento. No Porto, com o vereador Correia Fernandes de férias, o gabinete de imprensa do município confirmou a recepção da carta e explicou apenas que a câmara não tem “uma posição fechada sobre esta matéria”, nada adiantando sobre os motivos que levaram a que fosse pedido à tutela da Cultura que não apreciasse o ante-projecto enviado no início do ano.
A retirada da proposta foi acolhida muito positivamente pelas duas associações de defesa do património autoras da carta aberta, que tinham decidido avançar com este alerta na perspectiva de condicionar, com os seus argumentos, uma decisão da DGPC, explicou a arquitecta Alice Tavares da Costa, da APRUPP. Com este recuo, esperam que as entidades envolvidas aceitem participar num debate que vão organizar em meados de Setembro. “A cidade tem que encontrar formas de compatibilizar o desenvolvimento turístico com a preservação do património”, insiste, considerando que o que estava a ser proposto ia ter um impacto mais negativo do que a obra no tabuleiro superior, "que já tinho sido invasiva, criando uma linha de sombra sobre o arco" da ponte.
O presidente da APPI, José Manuel Lopes Cordeiro, académico especialista em património industrial, assinala que o problema do aumento de afluxo de turistas entre as duas margens “está identificado há muito, e por isso chegaram a ser propostas outras pontes, que não avançaram”. Na carta, defende-se a reabilitação urgente da Ponte Maria Pia, a análise de possíveis travessias a jusante e a introdução de mais ligações fluviais entre as duas margens, na época alta, como formas alternativas de fazer face ao crescente interesse que as duas cidades suscitam.