Podem os Beatles ser a banda sonora da vida das nossas crianças?

Beat Bugs é a nova série de animação do Netflix. Aventuras criadas a partir das canções dos Beatles em versões de Eddie Vedder, Pink, Sia, James Corden, Regina Spektor, Rod Stewart ou Robbie Williams – à atenção de uma nova geração de fãs.

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As canções dos Beatles serão o ponto de partida para as aventuras destes cinco heróis Netflix

Tudo começou com uma ideia muito simples: levar os Beatles às novas gerações, aos miúdos que se agarram à televisão e aos muitos ecrãs das suas vidas para passar o tempo. Mas a música só por si não chegava para tornar a ideia aliciante ou mesmo uma novidade. Foi então que Josh Wakely se lembrou de criar uma série de animação que teria como ponto de partida as canções dos Fab 4. Não, esta não é mais uma história sobre os Beatles. Na verdade, os heróis aqui são insectos, rapazes e raparigas para quem o quintal de uma casa é todo um universo. Isso e as canções dos britânicos, que servem de mote às histórias – e a novas versões das próprias canções, agora sem John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Temas como All you need is loveHelp! ou Lucy in the sky with diamonds ganharam uma nova vida nas vozes de artistas como Eddie Vedder, Pink, Sia, James Corden, Regina Spektor, Rod Stewart ou Robbie Williams.

Beat Bugs chega esta quarta-feira ao Netflix. E "é um sonho tornado realidade”, diz-nos Wakely. Nisso, o autor e realizador australiano que criou a nova série de animação do serviço de streaming não está a ser modesto. Afinal, não é qualquer um que consegue os direitos do catálogo daquela que é uma das bandas mais importantes da história da música popular. Um catálogo, aliás, bastante disputado, e que o próprio Paul McCartney luta por conseguir. O que Wakely, de 35 anos, obteve foi um acordo raro com a Sony/ATV que o tornou notícia em todo o mundo. O australiano garantiu nada mais, nada menos do que o direito de fazer versões de mais de 300 canções dos Beatles.

“Eu tinha noção de que seria difícil, mas nunca achei impossível. Lembro-me de estar em Los Angeles [onde a sua produtora tem escritório] a apresentar o projecto. Sabia que tinha uma série extraordinária com bons personagens. Só precisava de ter uma boa música”, começa por contar ao PÚBLICO numa conversa telefónica. “E disse então: ‘O que vamos fazer a seguir é conseguir os direitos dos Beatles’. Olharam todos para mim como se eu fosse maluco. Pararam o que estavam a fazer e começaram literalmente a olhar uns para os outros”, lembra, entre risos, Josh Wakely. “As crianças adoram música e eu acreditava mesmo nesta ideia de levar os Beatles a uma nova geração. Era tudo o que tinha. O segredo foi nunca nos termos desviado disso.”

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Josh Wakely Eric Charbonneau/Netflix

Quando em Março de 2014 Wakely foi notícia por ter garantido o desejado acordo, cujos valores não são conhecidos, o director executivo da Sony/ATV, Damian Trotter, escreveu em comunicado que a “ingenuidade” do autor australiano e a “exploração criativa destas icónicas canções num mundo totalmente imaginativo eram demasiado boas para as deixar passar”. “A ideia de se abrir o maior catálogo de música do século XX à próxima geração é algo que nos entusiasma muito”, acrescentava ainda Trotter.

Para trás, tinham ficado três anos de luta em que Wakely foi provavelmente o único que nunca deixou de acreditar, como contou ao The Sydney Morning Herald. “Houve uma altura, já eu andava atrás dos direitos há um ano, e depois dois anos, em que várias pessoas com mentes mais pragmáticas do que eu, como a minha mulher, me sugeriram fazer uma animação separada dos direitos dos Beatles. Mas não era possível. A série precisava absolutamente disso. Era o combustível celestial da série.”

Ter um filho pequeno a despertar para os desenhos animados também lhe dava motivação para criar algo que não via em mais lado nenhum. Queria sentir-se sossegado quando este se ligasse ao pequeno ecrã, com a certeza de que aquilo que veria teria apenas mensagens positivas. Nada de super-heróis armados ou bonecos vulgares. “Há coisas muito más a passarem na televisão”, atira.

“Os Beatles são os melhores contadores de histórias. Quantas gerações influenciaram?”, pergunta-nos Wakely, lembrando-se também da sua infância. Recorda-se de ouvir em miúdo temas como All you need is love e de ficar a pensar no significado daquelas palavras. Lembra-se também de se interrogar sobre quem seria a Eleanor Rigby da música que a sua mãe tanto ouvia. A mãe que lhe cantava ainda a Getting better quando ficava doente. Mensagens tão simples e ao mesmo tempo tão poderosas, explica. “Eles têm as melhores melodias, as melhores canções. Não há recurso mais extraordinário.”

O trabalho de Wakely passou assim por pensar numa nova vida para estas melodias, sem nunca as desvirtuar. Não é possível melhorar o que já está bem feito, argumenta. Mas é possível dar uma nova cor aos temas para que as crianças de hoje se entusiasmem como todos nos entusiasmámos – e continuamos a entusiasmar.

“A premissa é muito simples. As canções dão-nos a história. Há sempre uma ligação entre a canção do episódio e a aventura dos insectos, que são no fundo rapazes e raparigas fictícios, com diferentes personalidades. Um é mais criativo, outro é mais certinho, outro é o líder.”

Os insectos são Jay, Kumi, Crick, Buzz e Walter. Cinco amigos para quem o quintal onde vivem é um mundo. “Eu sabia que se tivéssemos uma animação extraordinária e grandes personagens podíamos fazer alguma coisa de diferente. A ideia de levar estas mensagens a famílias e crianças vale todo o trabalho”, diz o realizador, que se rodeou de alguns dos mais sonantes nomes da música da actualidade. Eddie Vedder foi o primeiro a alinhar na aventura.

Quando Josh Wakely mencionou que gostaria que uma das versões dos Beatles fosse feita pelo músico dos Pearl Jam também o acharam maluco. “Para mim, o Eddie Vedder faria uma extraordinária versão da Magical mystery tour”, explicando-nos, contando que até então não tinha qualquer relação com o músico. Era apenas mais um fã. Mas isso não o impediu de escrever uma carta a Vedder. Falou-lhe de como respeitava a sua carreira e de como gostaria de contar consigo num projecto que passa por levar as músicas dos Beatles às crianças. Vedder, pai de duas crianças com 12 e oito anos, não resistiu. Foi uma questão de dias até Wakely receber uma chamada do próprio a dizer que tinha adorado a ideia.

Em comunicado, quando foi anunciado no projecto, o vocalista dos Pearl Jam mostou-se “agradecido por fazer parte da visão de Josh” e falou de Beat Bugs como “uma série tremenda para crianças que combina uma bonita animação com grandes histórias e obviamente algumas das melhores canções alguma vez escritas”.

Depois de Vedder, as surpresas seguiram-se umas às outras. O projecto começou a espalhar-se pela indústria e os contactos foram chegando a Wakely, que estava habituado exactamente ao ao contrário. A cantora norte-americana Pink, o actor e apresentador britânico (que nos últimos meses tem dado que falar com o seu Carpool Karaoke) James Corden, e a misteriosa Sia, que actua por estes dias no Festival Sudoeste, foram as seguintes confirmações, aos quais se juntaram entretanto Chris Cornell, Aloe Blacc, Robbie Williams, Frances, Rod Stewart, Regina Spektor, Jennifer Hudson, James Bay, Tori Kelly e ainda os Of Monsters and Men, os Shins e os Lumineers.

Estes são os artistas que se ouvirão nas duas temporadas já confirmadas. A estreia da série é esta quarta-feira, e a primeira temporada terá nove episódios. A 18 Novembro, chegarão as novas aventuras. Mas não será preciso esperar até lá para ouvir os novos Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Drive my car, Good day sunshine, Honey pie ou Blackbird, uma vez que com a estreia mundial chega a banda sonora dividida em dois volumes – disponível em exclusivo no Apple Music.

“Depois de terem visto a animação e a história, todos os artistas foram muito generosos. Fizeram versões extraordinárias. Foi um trabalho maravilhoso de equipa”, destaca o realizador, não afastando a possibilidade de fazer ainda mais aventuras. “Sou um sortudo por ter conseguido este catálogo. A quantidade extraordinária de músicas que tem, todas elas maravilhosas... Só espero que possamos fazer mais temporadas”, diz, fazendo questão de mencionar que há ainda pessoas com quem gostaria de trabalhar. “Mal posso esperar para poder fazer mais, para que mais pessoas queiram entrar no projecto. Estou muito orgulhoso daquilo que fizemos, mas espero ter mais canções incríveis.”

Uma das suas grandes esperanças é conseguir uma versão do próprio Paul McCartney. Afinal, este é o catálogo da antiga editora Northern Song, que tinha os direitos das canções compostas pela dupla Lennon-McCartney – e que entretanto foi comprado pela Sony/ATV, já depois de ter estado durante anos na posse de Michael Jackson. “Sou um privilegiado por tudo o que consegui, mas claro que gostaria muito de falar com o Paul McCartney. Levo muito a sério o privilégio de poder trabalhar nas suas canções”, conta, com a certeza de que as crianças de hoje vão adorar os Beatles.

“Daqui a 400 anos ainda se vão ouvir os Beatles. Continuarão a ser uma referência. São geniais. As mensagens das canções não têm tempo”, diz. Para públicos como o português, admite, poderá ser mais difícil compreender devido à língua. “Mas acho que a melodia transcende toda a cultura geracional. Mesmo que os personagens falem noutras línguas”, continua, imaginando os miúdos a trautearem as canções dos Fab 4. “Já estive em várias partes do mundo e os Beatles são universais.”

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