A ovelha Dolly e os seus quatro clones
Debbie, Denise, Diana e Daisy são quatro cópias genéticas da famosa Dolly, feitas a partir da mesma linha celular. Têm hoje nove anos, o que equivale a 60 a 70 anos nos humanos. Um checkup a um rebanho de 13 clones, incluindo as cópias de Dolly, concluiu que as ovelhas clonadas são saudáveis
São quatro ovelhas brancas iguais que vivem em Nottingham, no Reino Unido, e que só se distinguem pelas cores dos brincos de plástico nas orelhas. São iguais entre si e iguais à mais famosa ovelha do mundo, a Dolly, que nasceu em Julho de 1996, há precisamente 20 anos, e morreu seis anos e meio depois com uma doença pulmonar. Debbie, Denise, Diana e Daisy – as “Nottingham Dollies” como são conhecidas – são clones feitos a partir da mesma linha celular da Dolly e têm hoje nove anos. E como estão? Óptimas, responde um artigo científico publicado esta terça-feira na revista Nature Communications.
Dolly morreu há mais 13 anos, as Nottingham Dollies nasceram há nove anos e a grande dúvida era se eram saudáveis ou se estavam, como se temia, a revelar sinais de envelhecimento precoce. O artigo publicado na Nature Communications responde à questão com os resultados de uma bateria de testes aos mais variados indicadores de saúde destas ovelhas e outros nove clones. O estudo Envelhecimento saudável de ovelhas clonadas é o primeiro a avaliar os efeitos a longo prazo da transferência nuclear de células somáticas, a técnica usada para fazer a Dolly e os seus quatro clones.
A Dolly não tinha pai e era a cópia genética de uma ovelha adulta, à qual retiraram uma célula mamária (e daí surgiu a inspiração para o seu nome, em homenagem à cantora country Dolly Parton). Os cientistas introduziram o ADN dessa célula num ovócito já esvaziado dos seus genes e forçaram-no a desenvolver-se. Uma terceira ovelha fez de barriga de aluguer e a Dolly nasceu após 276 tentativas falhadas.
Um dos vídeos agora divulgados pela Universidade de Nottingham consiste em três minutos e 29 segundos de uma monótona filmagem de quatro ovelhas brancas num campo de erva, em pé, deitadas, a comer ou, simplesmente, ali paradas. A Debbie, Denise, Diana e Daisy são especiais porque são iguais à Dolly, que fez história por ter sido o primeiro mamífero clonado a partir de células adultas. Os últimos cerca de 40 segundos do filme sem som destas quatro ovelhas são imagens de uma delas sob o efeito de anestesia a fazer uma ressonância magnética. Este foi um dos muitos testes efectuados a um rebanho de 13 clones.
A equipa de investigadores foi coordenada por Kevin Sinclair, especialista da Escola de Ciência e Medicina Veterinária da Universidade de Nottingham, que trabalhou com Keith Campbell, um dos principais responsáveis pelo nascimento de Dolly (Ian Wilmut é o outro). Após o nascimento da ovelha mais famosa do mundo – que hoje está empalhada no Museu Real de Edimburgo, com a pele esticada num molde com a forma do seu corpo e olhos de vidro –, Keith Campbell prosseguiu com a sua investigação no campo da biologia reprodutiva e clonagem. Em 1999, foi trabalhar para a Universidade de Nottingham mas em 2012 morreu, deixando um rebanho de clones como herança.
O clone mais velho de Nottingham, um carneiro, nasceu em 2006. As quatro “Dollietes”, da raça Finn-Dorset, nasceram em Julho de 2007, um mês depois nasceram duas outras ovelhas clonadas da raça Lleyn e depois, em 2008, nasceram mais seis animais clonados da raça Lleyn. Durante 2015, as 13 ovelhas foram sujeitas a vários testes para detectar eventuais doenças como obesidade, diabetes, hipertensão e osteoartrite (a Dolly sofria de osteoartrite em várias articulações, sobretudo nos joelhos). No fundo, tratou-se de uma espécie de teste de segurança a estas técnicas de clonagem que, apesar dos avanços nos últimos anos, ainda mostram pouca eficiência. “Há ainda mais casos do que o normal de problemas na gestação ou na sobrevivência dos cordeiros recém-nascidos”, reconheceu Kevin Sinclair numa conferência de imprensa a propósito do artigo científico.
As Nottingham Dollies, por exemplo, são as quatro sobreviventes de um grupo de dez cordeiros criados a partir da mesma linha celular, numa experiência que queria testar o tratamento de ovócitos ovinos com cafeína. Três morreram e sete sobreviveram durante a primeira semana de vida. Mas só Debbie, Denise, Diana e Daisy chegaram à idade adulta. Agora com nove anos, quando estão na terceira idade (a esperança de vida de uma ovelha ronda os dez a 12 anos), foram sujeitas a vários testes. Além de ressonâncias magnéticas, houve testes de glicose, radiografias, medições do ritmo cardíaco e da pressão sanguínea, entre outros. Alguns dos testes, como as medições contínuas do ritmo cardíaco (em situações de descanso e com estímulos), não são habitualmente feitos em ovelhas e, por isso, foram especialmente concebidos para este estudo.
“Concluímos que os nossos clones, considerando a sua idade, eram animais saudáveis”, refere Kevin Sinclair. No caso da osteoartrite, algumas das ovelhas apresentavam alguns sinais nas radiografias de doença ligeira – a ovelha Debbie tem uma osteoartrite moderada – mas nenhuma delas coxeava ou precisou de tratamento.
O futuro da clonagem e das "Dollietes"
“Os nossos resultados indicam que é possível criar descendentes clonados que podem viver uma vida longa e saudável. Isso é importante porque mostra que alguns embriões conseguem fazer uma reprogramação completa – ou seja, as células adultas (somáticas) podem ser totalmente reprogramadas e conduzir-nos à criação de animais normais. O que, por sua vez, quer dizer que estas células serão seguras para terapias baseadas em células estaminais”, refere Kevin Sinclair, numa resposta por email ao PÚBLICO.
No vídeo de apresentação deste estudo, Kevin Sinclair fez questão de sublinhar que não partiram para o trabalho com nenhuma “agenda escondida”, pró ou anticlonagem. Agora que o trabalho está feito, o especialista conclui que “se continuarmos a melhorar a eficiência da transferência nuclear de células somáticas poderá ser eticamente mais aceitável produzir animais clonados no futuro, com menos preocupações com o seu bem-estar”.
Para já, nota, apesar de ser praticada em animais de pecuária em vários países e em animais de estimação na Coreia do Sul onde existem empresas que prometem “copiar” os “bobbies e tarecos” deste mundo, a clonagem é “pouco eficiente”. A verdade é que o progresso e os receios que se adivinhavam há 20 anos, quando a Dolly nasceu, não se tornaram realidade. Não há nenhum clone humano nem esta técnica de clonagem é usada para gerar células estaminais com fins terapêuticos.
A conclusão deste estudo pode até ser que estas ovelhas parecem iguais a qualquer outra ovelha. Mas, sabemos que não são. Não é qualquer ovelha deste mundo que tem direito ao tratamento e acompanhamento que estas tiveram, contando, por exemplo, com duas visitas semanais de um veterinário. “São biologicamente normais. Ao tomarmos bem conta delas, asseguramos que não há nenhum problema ambiental que possa encurtar as suas vidas, tal como doenças ou má nutrição”, diz ainda ao PÚBLICO Kevin Sinclair.
E agora? As Nottingham Dollies vão viver felizes e saudáveis para sempre e fim de história? Sim e não. “Talvez ainda durante o próximo ano, à medida que estes animais chegam ao fim da sua vida natural, vamos eutanasiá-los e fazer detalhadas análises post mortem para saber mais sobre eles a um nível celular e molecular”, refere Kevin Sinclair.
A vida de Dolly, que também foi eutanasiada para a poupar ao sofrimento de uma doença pulmonar sem cura, e a dos seus quatro clones foram diferentes. Nenhuma das Nottingham Dollies procriou, por exemplo. “A Dolly teve seis cordeiros e muitos outros animais clonados produziram descendentes vivos, por isso sabemos que a fertilidade não é afectada. Não tínhamos qualquer razão para experimentarmos isso nestas quatro ovelhas”, justifica Kevin Sinclair. Apesar das diferenças na vida, estas cinco ovelhas, Dolly, Debbie, Denise, Diana e Daisy, tiveram exactamente o mesmo início. E também o mesmo fim.