“Dizem que o coração não dói, mas o meu doía-me”
Graça Palhares recusou render-se ao cansaço. Na única vez em que lhe apeteceu desistir, o médico dissuadiu-a. Hoje, esta professora reformada de 63 anos está curada do vírus que a atormentava desde 2009.
Nas centenas de vezes em que teve de se deslocar ao Hospital de S. João, no Porto, Graça Palhares recusou sempre a companhia dos seus filhos. Mesmo nos dias em que lhe custava pôr um pé à frente do outro, fez questão de conduzir sozinha. “Foram uma única vez mas depois eu não os consegui ter lá dentro comigo. Eles ainda se comoviam mais do que eu e eu não podia deixar-me arrastar com eles…”, recorda.
Professora reformada, Graça Palhares, hoje com 63 anos e direito a uma esperança de vida como mandam as estatísticas, resistiu sempre à autocomiseração. “Sentia que se parasse seria pior. Nunca parei. Às vezes tinha dificuldade em levantar-me, mas metia-me no carro mesmo assim. E fiz questão de nunca me deixar ficar na cama. Sou Carneiro, teimosa…”
Era mãe sozinha de três filhos quando se descobriu portadora do vírus da hepatite C. “Cheguei lá por uma questão estética, em 2009. Eu tinha anemia, estava sempre doente, cansada, mas não sabia o que era. Até que um dia, na minha ginecologista, disse: ‘Ó doutora, nunca tive barriga e agora é isto, não gosto nada’. Ela assustou-se e mandou-me fazer análises que deram positivo para hepatite C.”
Mas isso foi depois, quando já havia nome para a doença. Antes, grávida da filha mais nova, em 1980, recebeu cinco transfusões de sangue, por causa da anemia. Uns anos mais tarde, estranhou tanto cansaço nas pernas, inchadas e com manchas. “Fiz análises e detectaram-me hepatite não-A e não-B. Ainda não conheciam a C. E a médica de família disse: ‘Pronto, esteve em contacto com o vírus numa dessas transfusões e ficou imunizada’.”
Quando, aos 58 anos, lhe apontaram finalmente a hepatite C, começou a ser acompanhada no S. João, onde começou em 2011 o tratamento com interferão e ribavirina. “O cabelo caiu, claro, mas isso arreliava-me pouco. Era um mal menor, porque eu estava em risco de me caírem os dentes, de perder a tiróide e de ficar cega, porque tenho glaucoma. Aguentei três meses. Num dia cheguei ao hospital e quase não me segurava de pé. A médica olhou para mim e, mesmo antes de fazer análises, mandou-me parar imediatamente com o tratamento.”
Nos seis meses que se seguiram, Graça já não estava sob medicação mas continuava com os sintomas. E com o vírus, claro. “Foi então que começámos a ouvir falar dos novos tratamentos. Mas o ministro não dava ordens para tratar os doentes e nós vivíamos num medo tremendo, porque havia gente a morrer e eu já tinha cirrose.” Enquanto José Carlos Saldanha pedia no Parlamento a Paulo Macedo que não o deixasse morrer, Graça escrevia cartas ao ministro e ao Infarmed. “Cheguei a pedir-lhes que me dessem os medicamentos que eu pagava. Cheguei a ponderar vender o meu apartamento…”
Não foi preciso. Em Março de 2015, iniciou o tratamento no S. João e, um mês depois, já tinha “negativado”. Bastou um ano para ser dada como curada. “Quase saltei para o colo do médico, senti uma alegria tão grande, tão grande, que ninguém faz ideia.” O médico é o hepatologista António Sarmento e Graça hoje ri-se quando se lembra da vez em que lhe ligou para o telemóvel aflita porque lhe doía o coração. “Dizem que o coração não dói, mas o meu doía-me. Disse-lhe que ia parar com a medicação porque sentia que ia morrer. Ele fez a diferença toda, porque, com toda a calma, disse-me: ‘Vai continuar com a medicação mas vai fazer um electrocardiograma para ver que não é nada’. Lá fiz e, claro, era tudo ansiedade. Tenho-lhe um enorme respeito porque, está a ver, ele era chefe daquele serviço todo e vinha buscar os doentes à sala de espera, com uma humildade….”
Tanto que Graça já sente saudades. “Criam-se laços muito fortes. Agora só vou lá de seis em seis meses por causa da cirrose. Em Setembro terei de fazer uma endoscopia, para ver se tenho varizes esofágicas…” Independentemente do que vier a seguir, Graça diz que começou a ver a vida de outra maneira. “Sou muito agradecida, sinto-me abençoada, é um alívio enoooorme”, descreve.