CDU quer explicações sobre acordo entre câmara e empresa participada por Rui Moreira
Empresa é detida, a título individual e minoritário, pela mãe do presidente Rui Moreira e por uma sociedade de que fazem parte o próprio autarca e os restantes irmãos
A CDU não ficou, definitivamente, convencida com as respostas que a Câmara do Porto prestou sobre a transacção judicial entre o município e a empresa Selminho, participada por familiares do presidente Rui Morera e pelo próprio presidente, e vem agora exigir o acesso a toda a documentação relacionada com o acordo. Além disso, o deputado municipal Artur Ribeiro, que integra a comissão de acompanhamento do Plano Director Municipal (PDM), actualmente em revisão, vai pedir uma reunião deste grupo “exigindo que sejam prestadas informações sobre todos os compromissos formalmente assumidos pela Câmara Municipal do Porto em matéria de ‘diligência’ de alterações do PDM”.
Depois de terem questionado o executivo sobre o caso, na reunião da passada terça-feira, os comunistas convocaram uma conferência de imprensa, esta sexta-feira, para elencar as dúvidas que, no seu entender, ainda rodeiam o processo. Ao presidente Rui Moreira foi exigido que não mantivesse o silêncio sobre o assunto. “O presidente da câmara tem que responder às dúvidas que levantamos”, disse Belmiro Magalhães, dirigente do PCP/Porto. “Tratando-se de uma empresa ligada ao presidente da câmara, ele devia dizer: mostrem tudo”, acrescentou Artur Ribeiro.
Quando o tema foi levantado pelo vereador comunista, Pedro Carvalho, Rui Moreira deixou a sala, só regressando após a discussão do caso. Em causa está uma transacção judicial alcançada entre o município e a empresa Selminho, em 2014, já com Rui Moreira à frente do executivo, relativa a um terreno na Calçada da Arrábida. A empresa, confirmou ao PÚBLICO fonte da autarquia, é detida em 5% pela mãe de Rui Moreira e em 95% por uma sociedade constituída pelo próprio presidente e os seus sete irmãos, por herança do pai. A mesma fonte argumenta que a participação de Moreira nesta sociedade não acarreta qualquer problema “desde que ele não produza qualquer decisão”, o que, diz, tem acontecido.
A Selminho avançou para tribunal, em 2010, por entender que tinha direitos construtivos no terreno, conferidos antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal (PDM) de 2006. Em 2012, uma reclamação apresentada pela empresa, em sede de alteração do PDM, foi recusada pelo município. Esta é uma das dúvidas levantadas pela CDU, que questiona: “A opção pela elaboração da transacção judicial não é uma contradição com a posição anterior da Câmara do Porto neste processo?”. A câmara garante que não.
Fonte da assessoria de imprensa explica que das 47 reclamações apresentadas em fase de alteração do PDM, as 42 que implicavam alguma alteração do documento, ao nível, por exemplo, da classificação dos solos, foram rejeitadas, por se entender que esses pedidos deveriam ser remetidos para a revisão do PDM. E, numa resposta enviada ao PÚBLICO, a vice-presidente da autarquia, Guilhermina Rega, que em 2012, enquanto vereadora do executivo de Rui Rio, aprovou o relatório que rejeitava as reclamações, incluindo a da Selminho (conforme avançou a agência Lusa), argumenta que, em 2012, a câmara “não negou qualquer direito à Selminho, apenas não reconheceu à empresa o direito de edificabilidade antes deste estar inscrito no PDM”. A vice-presidente de Rui Moreira diz ainda que “esta decisão é rigorosamente a mesma assumida em 2014, no acordo que a autarquia firmou com a empresa, onde também não se reconhece qualquer direito antes de este estar inscrito no PDM”.
A transacção judicial diz que a câmara se compromete a efectuar “diligências” para acomodar os direitos reivindicados pela Selminho no novo PDM e que, se tal não for possível, o caso seguirá para o Tribunal Arbitral que decidirá, então, se há lugar a indemnização dos privados e qual o montante. Na reunião do executivo, o vereador do Urbanismo, Manuel Correia Fernandes, disse desconhecer o teor da transacção, mas garantiu, perante a insistência de Pedro Carvalho: “Não há compromisso nenhum que tenha chegado ao pelouro do Urbanismo sobre o que quer que seja, nem de empresas nem de cidadãos particulares, em sede de revisão do PDM”.
Quanto à razão para se ter avançado para um acordo, em vez de se aguardar pela decisão do tribunal – outra das dúvidas avançadas pela CDU – a câmara diz que tal aconteceu por indicação do próprio juiz do processo. “O juiz intimou as partes a fazer um acordo, ameaçando proferir sentença. Ora, perante o risco de casos anteriores, em que se invocavam direitos construtivos, a câmara decidiu acordar”, afirma fonte do gabinete de imprensa da autarquia. A mesma fonte insiste que no acordo agora posto em causa pela CDU, a câmara “compromete-se a estudar o caso na forma [revisão do PDM], não no resultado”.
Além de pedir a reunião da comissão de acompanhamento do PDM – pedido que poderá ou não ser atendido – os comunistas vão solicitar cópia de todo o processo judicial, informação escrita sobre a rejeição da reclamação da Selminho, em 2012, e “todos os requerimentos apresentados à Câmara Municipal do Porto pela Selminho e relacionados com o terreno da Calçada da Arrábida, bem como das respostas dadas aos mesmos pelo Município do Porto”. A CDU quer ainda explicações sobre o porquê da transacção judicial não ter ido a votação do executivo, como aconteceu com anteriores acordos extrajudiciais. Ao PÚBLICO, a assessoria de imprensa do município justifica este facto com o argumento de que a actual transacção “ainda não remete para uma decisão final”, garantindo que quando tal acontecer – por via de alteração do PDM ou indicação do Tribunal Arbitral – tal será “escrutinado” pelo executivo.
Belmiro Magalhães diz que a CDU está disposta a ir “até às últimas consequências para obter todos os esclarecimentos sobre esta matéria”, e enquanto este dirigente afirma não haver, por parte desta força política, “qualquer juízo de valor sobre vantagens ou desvantagens e quem sai beneficiado disto”, o deputado municipal Artur Ribeiro parece não ter dúvidas. No seu entender o acordo “claramente beneficia a empresa”, disse.