Brasões da Praça do Império “foram a última das preocupações” do júri do concurso
Simonetta Luz Afonso lembra que os brasões nasceram 20 anos depois do jardim, no âmbito de uma exposição de floricultura, e atribui as muitas críticas ao seu desaparecimento ao “desconhecimento do projecto original”. A polémica está instalada.
A presidente do júri que avaliou as propostas para a “renovação” do Jardim da Praça do Império defende com unhas e dentes a proposta vencedora, destacando que com ela este espaço verde “passa a ser uma peça fundamental de Belém”, ganhando uma nova relação “com o rio, com os Jerónimos, com a envolvente e com as pessoas”. Quanto ao fim anunciado dos brasões, Simonetta Luz Afonso desvaloriza: “Foram a última das nossas preocupações”, garante.
A Câmara de Lisboa discute esta quarta-feira a aprovação do relatório final do júri do concurso de “Concepção para a Elaboração do Projeto de Renovação do Jardim da Praça do Império”. Classificada em primeiro lugar ficou a proposta do atelier ACB Arquitectura Paisagista, dirigido por Cristina Castel-Branco, cuja concretização tem um custo estimado de cerca de 499 mil euros e deverá prolongar-se por 45 dias.
Essa proposta não foi divulgada publicamente pela câmara, nem tão pouco facultada ao PÚBLICO, apesar de terem sido vários os pedidos nesse sentido desde a passada sexta-feira. O único documento facultado pelo gabinete do vereador da Estrutura Verde foi um anexo do relatório do júri, no qual se faz a avaliação da proposta vencedora, que segundo se diz “retoma o projecto original de Cottinelli Telmo”, consubstanciando-se como “uma proposta de restauro”.
Nesse documento é também dito que o projecto em causa revela “preocupação com a integração dos elementos históricos” e “valoriza os brasões em pedra do lago central, através da possibilidade de aproximação ao mesmo”. O júri destaca ainda a “inclusão de novos elementos simbólicos”, como a introdução de um jardim com as plantas que estão representadas nas fachadas dos Jerónimos e a plantação de árvores do Brasil, China, Índia e Japão, os “quatro longínquos cantos do mundo que Portugal trouxe ao conhecimento Europeu”.
Mas o aspecto do projecto de que se falou durante todo esta terça-feira foi um que nem sequer é mencionado na avaliação que foi feita pelo júri: o facto de ele não contemplar a manutenção dos brasões em mosaico-cultura das cidades e “províncias de Portugal Continental, Insular e Ultramarino” que existiam em canteiros relvados à volta da fonte no centro da Praça do Império.
Elementos ultrapassados
A hipótese de esses brasões deixarem de existir foi tema de acesa polémica no Verão de 2014. Na altura a câmara alegou que estes elementos estavam “ultrapassados”, tendo o vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes, sublinhado que alguns deles “já nem existem no local”, por não serem objecto de intervenção “há cerca de 20 anos”.
Face às muitas críticas que se ouviram então por parte da oposição e de muitos elementos da sociedade civil, o município acabou por avançar com um concurso público para decidir o futuro desse jardim. Agora que se soube que a proposta vencedora não prevê a manutenção dos brasões o tema ganhou novo fôlego.
Em declarações ao PÚBLICO, a presidente do júri do concurso lembra que os brasões não constavam do projecto inicial do jardim, de Cottinelli Telmo, não podendo portanto ser considerados “um elemento histórico”. “Foram criados para uma exposição de floricultura, que era uma coisa absolutamente efémera”, diz Simonetta Luz Afonso, constatando que duas décadas separam a criação deste espaço-verde do surgimento dos elementos em mosaico-cultura, que de temporários foram passando a definitivos.
“O jardim não nasceu assim. O projecto do autor era clean, limpo”, sublinha, acrescentando que o que lá há hoje são apenas “restos de brasões”, de tal forma carentes de manutenção que “nem se percebe o que está ali”. Quanto à polémica em torno do caso, Simonetta Luz Afonso não tem dúvidas de que ela “nasceu do desconhecimento do projecto original”.
Para lá dos brasões (que assegura terem sido “a última” da preocupações do júri), a ex-presidente do Instituto Camões e antiga directora-geral do Instituto Português de Museus quer mesmo é falar nos méritos da proposta vencedora do concurso. A sua convicção é que ela não só vai permitir “repor o jardim no seu projecto inicial” (dando-lhe “uma vertente do século XXI”), como vai contribuir para que ele passe a relacionar-se “com o rio, com os Jerónimos, com a envolvente e com as pessoas”.
Nesse sentido Simonetta Luz Afonso frisa que vai deixar de haver estacionamento entre a Avenida da Índia e o jardim, com o objectivo de o “aproximar do rio”. Para o mesmo fim contribuirá a “valorização” da passagem inferior existente no local, que se pretende tornar mais visível e que o júri sugere que receba um “centro de interpretação” sobre a zona e a sua evolução ao longo do tempo.
A presidente do júri destaca ainda a plantação das “plantas dos Jerónimos” e das árvores provenientes de quatro pontos do globo, que surgirão na zona central da praça, que assim passará a ter sombra. Simonetta Luz Afonso explica que a ideia que nessa área, em redor da qual se “forma uma espécie de anfiteatro”, passem a poder realizar-se iniciativas como “feiras, pequenos concertos e teatros”.
“Quando virem o jardim a funcionar verão como era estéril a polémica”, remata a também deputada da Assembleia Municipal de Lisboa (eleita pelo PS), para quem é claro que a concretização da proposta vencedora do concurso “vai valorizar muito a Praça do Império” e a zona de Belém. Mas para lá dos elogios de Simonetta Luz Afonso, aquilo que se ouviu durante o dia de ontem foram muitas críticas sobre o projecto.
"Apagão da História"
“É um apagão da história”, afirmou em declarações ao PÚBLICO o vereador do CDS na Câmara de Lisboa, que acusou o vereador da Estrutura Verde de com esta decisão revelar “teimosia” e “um enorme preconceito ideológico”. “Não devemos fingir que os momentos menos bons não aconteceram”, diz João Gonçalves Pereira.
Também o líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa lamentou, em comunicado, aquilo que considerou ser uma “obsessão” do vereador da Estrutura Verde. Para Sérgio de Azevedo, a decisão de acabar com os brasões demonstra “um preconceito ideológico gritante próprio da pequena dimensão intelectual de Sá Fernandes, para quem construir cidade não é mais do que a construção de ciclovias fantasmagóricas, atribuições pouco esclarecidas da exploração de quiosques e um conjunto de medidas trendy mas que não servem objectivamente ninguém”.
Também a Junta de Freguesia de Belém reagiu, num comunicado em que começa por lamentar o facto de não ter sido “consultada” pela câmara no decurso deste processo. “A Junta de Freguesia de Belém não admite qualquer solução que não inclua a reabilitação dos brasões que ali existiam e que a Câmara Municipal de Lisboa desprezou de tal forma que os desconfigurou e estragou”, diz-se no documento, no qual se fala em “revanchismo ideológico”.
A junta de freguesia presidida pelo social-democrata Fernando Ribeiro Rosa garante ainda que “utilizará todos os instrumentos legais ao seu dispor para evitar que esta decisão da Câmara Municipal de Lisboa seja efectivada” e mostra-se mais uma vez disponível “para assumir na plenitude a reabilitação, gestão e manutenção” do Jardim da Praça do Império.
Já o vereador Carlos Moura, do PCP, mostra-se essencialmente preocupado com o facto de o fim dos brasões da Praça do Império poder representar o fim da mosaico-cultura na cidade. “É um factor cultural importante de Lisboa, que foi desaparecendo de todos os espaços verdes”, lamenta em declarações ao PÚBLICO o autarca, que teme que a substituição daqueles elementos por relvados acabe por levar à entrega da manutenção do jardim a um privado.
Outro aspecto que deixa Carlos Moura inquieto é a possibilidade de deixar de haver circulação automóvel no limite Sul do jardim. A preocupação do vereador advém do facto de, segundo diz, a câmara ter aprovado recentemente (a reboque do projecto de requalificação do complexo Desportivo do Clube de Futebol Os Belenenses) o fecho do trânsito no limite Norte da Praça do Império e o seu desvio para o topo Sul, algo que “é contraditório com o que se está agora a propor”.
Pelo PSD, o vereador António Prôa adiantou ao PÚBLICO que vai apresentar na reunião camarária desta quarta-feira uma proposta alternativa à da maioria, na qual se defende a manutenção dos brasões e a entrega da manutenção do espaço à Junta de Freguesia de Belém.
Já o movimento Fórum Cidadania Lisboa dirigiu um apelo ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “para que intervenha junto da Câmara Municipal de Lisboa no sentido desta se coibir de avançar com a destruição em definitivo dos brasões em mosaico-cultura que ainda subsistem no espaço ajardinado em volta da fonte luminosa da Praça do Império”.
A lista inicial dos membros do júri deste concurso incluía Adriano Moreira, mas o ex-ministro do Estado Novo disse ao PÚBLICO que nunca chegou a participar no processo. Questionado sobre o que pensa da proposta vencedora, o antigo líder do CDS refere que só a conhece pela comunicação social e diz apenas isto: "Não sou partidário de se eliminar os vestígios históricos. e o império existiu".
O PÚBLICO tentou, sem sucesso, falar com a arquitecta paisagista Cristina Castel-Branco sobre a sua proposta.