Governo quer arranque da Justiça em Janeiro para avaliar o sector a nível europeu

Projecto de diploma que corrige o mapa judiciário do anterior Governo volta a fazer coincidir o ano judicial com o ano civil. Juízes elogiam medida e dizem que só assim será possível avaliar a Justiça antes e depois da reforma.

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Procuradores não têm “reservas”, mas alertam para constante mudança de paradigma Daniel Rocha

O Governo quer que o ano judicial volte a coincidir com o ano civil para melhorar a avaliação estatística do desempenho dos tribunais, conseguindo assim comparações com as estatísticas da Justiça de outros países. Os juízes defendem que, com esta alteração, voltará a ser possível comparar os indicadores da justiça portuguesa com a dos restantes países europeus. Será também possível, salientam, comparar o desempenho da justiça antes da reforma judiciária implementada pelo anterior Governo com aquele que resultou dela. Até então, os indicadores estavam desfasados.

Até 2014, ano da reforma, o ano judicial sempre começou em Janeiro, como o civil, mas a lei que ditou a reorganização judicial também atirou o início do ano dos tribunais para Setembro, altura em que terminam as férias judiciais. A abertura do ano judicial é sempre marcada pela cerimónia solene onde discursam o Presidente da República, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador-geral da República, o bastonário da Ordem dos Advogados e o ministro da Justiça.

“Isto não é apenas uma questão formal. A avaliação da estatística é importante para estabelecer comparações e retirar conclusões, mas para isso é preciso comparar com os mesmos períodos de tempo. Só assim é possível comparar com os indicadores de outros países, que começam o ano judicial em Janeiro, e com os nossos próprios indicadores nacionais anteriores à reforma”, sublinhou ao PÚBLICO a presidente de Associação Sindical dos Juízes Português, Maria José Costeira.

A nível nacional, as estatísticas do sector da Justiça, relativas a número de processos, condenações, inquéritos abertos e casos finalizados, entre outros indicadores, são tratadas pela Direcção-Geral da Política da Justiça. Dados que são depois comunicados à Comissão Europeia para a Eficiência na Justiça.

“Acerta-se o passo com as instâncias internacionais às quais Portugal reporta e com os normais ciclos estatísticos, voltando a fazer coincidir o ano judicial com o ano civil”, defende o Governo, através do Ministério da Justiça, no projecto de diploma de alteração à Lei de Organização do Sistema Judiciário, ao qual o PÚBLICO teve acesso. É o mesmo diploma que aponta a reabertura, como secções de proximidade, dos 20 tribunais encerrados em Setembro de 2014 pelo anterior Governo.

“O modelo de concentração por que se optou fragilizou mais ainda a coesão territorial e privou populações a quem pouco resta da presença simbólica e insubstituível do Estado no exercício da função soberana de aplicar a justiça”, refere o diploma, que também prevê que as actuais “instâncias” voltem a chamar-se “tribunais”.

Ao contrário dos juízes, os funcionários judiciais não vislumbram qualquer vantagem de fazer coincidir o ano judicial com o ano civil. “É apenas uma questão formal. A verdade é que, com as férias judiciais entre 15 de Julho e 30 de Agosto, de facto o ano judicial continuará a arrancar a 1 de Setembro”, diz o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge. Para o representante dos oficiais de Justiça, “importante é perceber como é que o ministério quer reabrir 20 tribunais quando faltam mais de 1200 funcionários”.

Já os procuradores do Ministério Público mostram-se neutros quanto à alteração. Num parecer recente ao projecto de diploma do Governo, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) diz que a mudança não “suscita reservas de maior, pese embora seja criticável a constante mudança de paradigma”. Os procuradores alertam, porém, que a alteração deverá ser “acompanhada de adequada monitorização para a preparação atempada de turnos, uma vez que existirá um período de turno único de Natal em 2016. Mostram ainda preocupação quanto aos movimentos (colocação) de magistrados e oficiais de justiça. Esses movimentos ocorrem, segundo a lei, em Setembro de cada ano e não em Janeiro.

“Trata-se de uma regra que, adverte-se, não pode ser alterada, designadamente com o propósito de coincidir os efeitos do movimento com o início do ano judicial, atentas as deficientes condições de tempo e de serviço que impossibilitariam de forma condigna assegurar tais movimentos para os envolvidos”, defende o SMMP. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar a bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga.

Colapso do Citius dificultou acesso a estatísticas

Em Julho de 2015, o PÚBLICO noticiava que o colapso do Citius, o sistema informático da Justiça, deixou o Governo sem dados para avaliar a implementação do mapa judiciário. Também para este propósito estes dados são fundamentais. Mas, sem acesso a estatísticas actuais, era impossível avaliar os efeitos da reforma, apesar de já se contar então mais de meio ano após o Citius ter sido declarado completamente operacional.

Em causa estava a ausência de dados estatísticos fiáveis sobre o andamento e a pendência dos processos nos tribunais desde 2014 que permitissem monitorizar o sistema judicial. Em Abril do ano passado, a Direcção-Geral da Política de Justiça publicou uma “nota técnica” dando conta do problema. Juízes, procuradores e advogados consideravam então que a situação era inaceitável por impedir a gestão do próprio sistema judicial.

A direcção-geral admitiu então não ter um prazo para resolver o problema, que parece manter-se parcialmente. No portal das Estatísticas Oficiais da Justiça, daquela direcção-geral, já é possível ver a maioria dos dados até 2015. Porém, no que diz respeito aos indicadores referentes à duração média dos processos na justiça penal, cível e laboral, só estão disponíveis dados até 2013, sobrando o aviso de que, devido aos problemas informáticos na aplicação Citius, os dados informáticos a partir de 2014 não estão disponíveis.

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