Num campo de refugiados pode nascer um parque de diversões
No Camboja, na Turquia e em Cabo Verde estão prestes a nascer três projectos que levam para o terreno o que cinco jovens aprenderam nas salas de aulas portuguesas. São os vencedores do prémio “impACTO”, promovido pela Gap Year Portugal.
Um casal quer levar as artes à Ilha Brava, uma das mais isoladas de Cabo Verde. Duas amigas vão educar a população do Camboja sobre saúde. E uma gestora financeira vai criar um parque de diversões num campo de refugiados na Turquia. Joana, Inês, Diana, Romeu e Vera agarraram a oportunidade de criarem um programa de voluntariado próprio, em parceria com uma comunidade estrangeira, e preparam-se para mudar o mundo à sua maneira.
Estes cinco jovens, integrados em três projectos, aceitaram e venceram o desafio “impACTO”, lançado pela associação Gap Year Portugal em parceria com 17 faculdades e universidades do país. Os vencedores do concurso, que coloca os jovens como motores do empreendedorismo social, foram escolhidos a 24 de Junho e apresentados nesta segunda-feira.
Cada um usa as ferramentas que o ensino superior lhes dá. As de Diana Taborda e Romeu Curto são as artes e a educação. Querem levar o teatro — que ela estuda em Lisboa — e a música — que ele estuda em Aveiro — até à Ilha Brava, uma das ilhas habitadas mais pequenas de Cabo Verde. O objectivo dos “Laboratórios Criativ” é que o ensino destas artes – a que se poderá juntar a dança e os jogos didácticos — chegue a este território isolado, em que “muitas coisas não chegam, incluindo as artes e a cultura”, explicou ao PÚBLICO Diana Taborda.
Foi a experiência de voluntária que lhe deu a conhecer a realidade da ilha cabo-verdiana. No Girassol Solidário, uma associação que trabalha com doentes vindos de Cabo Verde, conheceu a história de isolamento, de desemprego e de falta de oportunidades da ilha, que hoje tem pouco mais de seis mil habitantes. É neste cenário que Diana, de 20, e Romeu, de 18 anos, vão trabalhar, durante oito semanas, com crianças, jovens e idosos, em parceria com a câmara municipal local e a Cruz Vermelha.
A dinâmica funciona em rede: as primeiras quatro semanas são dedicadas às crianças, para que os frutos desse trabalho sejam utilizados nas práticas com os idosos, nas semanas seguintes. Ao mesmo tempo, os dois jovens da Covilhã vão dar formação aos jovens da Brava, deixando no terreno as ferramentas para que o trabalho não acabe com o seu regresso a Portugal.
O casal quer ainda fazer promoção à pequena ilha, que ainda passa despercebida nas rotas de turismo em África e em que o desemprego atinge quase 50% dos jovens. Dentro de poucos dias vai surgir o blogue “Desbravando a Brava”, que pretende dar a conhecer a ilha cabo-verdiana, incentivar o turismo e, com isso, a economia local.
Os três projectos vencedores, escolhidos entre 11 finalistas, vão ser financiados em grande parte. O financiamento — num total de 10.400 euros — parte de dez “Social Angels”, que se voluntariaram para apadrinhar os projectos. Na “sala de investimento”, os finalistas do concurso tiveram sete minutos para uma última apresentação do seu projecto. Esta foi a última fase de um concurso que dura desde 15 de Fevereiro, quando abriram as inscrições junto dos estudantes.
Parque de diversões na Turquia…
Convidada a sair da zona de conforto, Vera Morgado quis ir para o epicentro da crise de refugiados na Europa e deixar uma marca no local ao “lutar pelos sonhos sem limite” das crianças “que por estes dias têm tão pouco”, contou ao PÚBLICO. A jovem de 30 anos vai construir o Playground Love, o parque de diversões que idealizou no campo de refugiados de Mardin, na Turquia. O parque será exclusivo para crianças e centra-se na “ideia simples de que se brincamos, somos felizes; se somos felizes, vamos sonhar”. E o que Vera quer é que estas crianças, “que perderam os sonhos para a guerra ou no mar”, voltem a sonhar.
Vera inspirou-se nos Unfairy Tales, três filmes de animação produzidos pela Unicef, baseados nas experiências reais de três crianças refugiadas. São estas histórias que dão tema aos vários espaços do parque, onde as crianças têm acesso a brinquedos didácticos — na zona Under constrution —, podem ouvir e contar as histórias destas três crianças — nos Fairytales — e ainda “imaginar o que querem ser quando forem grandes” — no espaço Big ones.
Em parceria com a escola de circo local Art Anywhere (Refugee Kids Are Circus Heroes), o projecto de Vera, que para além de estudante é responsável financeira de uma empresa de metalo-mecânica, começa a ganhar forma em Agosto. Ainda hoje a jovem de Braga dá voltas à ideia, para que nada falte no parque. O financiamento de 6000 euros já está garantido — uma parte (4900 euros) vinda do concurso, e o restante que Vera angariou através da venda de lápis, sobre os três contos que a inspiraram. Depois de ter vendido mais de 600 numa semana, Vera Morgado quer chegar às 2000 vendas para poder levar material para a escola de circo e brinquedos para crianças fora do campo, — “que não é por não serem refugiadas que não vivem em guerra”, descreveu.
… e saúde no Camboja
Também marcado pelo conflito armado, o Camboja vive ainda com sequelas nos serviços mais básicos de apoio à população, entre eles a saúde. Num campo em que o trabalho é, em grande parte, sustentado pela acção de voluntários, conseguir diminuir esta dependência e tornar os cuidados de saúde cambojanos auto-sustentáveis é o objectivo do projecto de Inês Pinto e Joana Teixeira. “Queremos ajudá-los a cuidar da própria saúde e que isso ajude o país a crescer, porque se a saúde falhar o resto também falha”, acredita Joana.
As estudantes da medicina da Universidade de Coimbra venceram o concurso com o projecto Healthcare in Camboja, através do qual querem distribuir material médico e informação num país “em que faltam os conhecimentos básicos”, explicam. Querem lançar “o conhecimento base para que depois possam fazer sozinhos” e criar uma plataforma de telemedicina, em que a informação circule em rede e se troquem dúvidas e experiências entre as associações locais e médicos portugueses.
Joana conhece as carências de um país onde é preciso “começar mesmo pelo básico”, fruto do voluntariado que fez no ano passado no país, ao abrigo da associação Touch a Life. Esta é uma das dez parcerias que as jovens estabeleceram nos últimos meses. Entre empresas farmacêuticas, médicos, distribuidoras e associações humanitárias, Joana e Inês criaram um projecto com pontes entre Portugal, França, Malásia e Camboja e conseguiram cobrir mais de 35% do financiamento que pediram no início do concurso.