Marcelo destaca unidade contra sanções, Costa afasta plano B, Passos e Cristas criticam Governo
Primeiro-ministro recusa divulgar carta enviada a Bruxelas e comunistas reclamam hoje nas ruas uma conferência intergovernamental para decidir a reversibilidade dos tratados da União Europeia
Na véspera da Comissão Europeia começar a analisar eventuais sanções a Portugal pelo não cumprimento do défice entre 2013 e 2015, a classe política fixou ontem posições. O Presidente da República voltou a destacar a unidade partidária contra as sanções e o primeiro-ministro reiterou que não há plano B, porque a execução orçamental segue o previsto. Já os líderes do PSD e CDS, que estiveram no anterior Executivo, criticam o Governo e põem em causa o cumprimento das metas do Orçamento de Estado para este ano.
“Acredito que a Justiça possa prevalecer e, se prevalecer, não há sanções ou então as sanções são um pré-forma, aplica-se uma sanção zero, uma sanção simbólica só para dizer que se aplica”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa em Sabrosa, no primeiro dia do “Portugal Próximo” em Trás-os-Montes. Deste modo, o Presidente da República reiterou não acreditar em cortes nos fundos comunitários por incumprimento das metas do défice.
“Sou uma pessoa sensata e acho que sensatamente a Europa, tome a decisão que tomar, amanhã [esta terça-feira], daí a oito dias, daí a quatro semanas, daí a cinco semanas, perceberá que estar a cortar fundos a Portugal e a Espanha é estar a criar mais dificuldades à própria Europa”, disse. Na linha do que declarou nas últimas semanas, Marcelo destacou o consenso obtido no repúdio de sanções. “O país político sentiu o que o país comum, o país povo sentia, que não eram justas as sanções”, insistiu.
“O Presidente da República tem de se colocar no plano nacional e o Presidente da República já disse que as sanções se são para punir o Governo de Passos Coelho são injustas, que ele fez tudo o que era preciso para satisfazer a Europa, e se é para punir o Governo de António Costa são prematuras, porque os números que há não são números que justifiquem qualquer punição”, concluiu.
No mesmo sentido se pronunciou o primeiro-ministro. “Manteremos com total serenidade a mesma determinação na execução orçamental de 2016 que, como os números têm relevado, está a correr em linha com aquilo que foi orçamentado, não exigindo nem medidas adicionais, nem planos B”, disse António Costa, citado pela Lusa, à margem do encontro “Ciência 2016”, no Centro de Congressos de Lisboa.
“O que aconteceu em 2015 aconteceu em 2015, e já sabemos que, retirando todas as medidas extraordinárias como a antecipação de receitas de 2016 para 2015, o défice foi de 3,2%”, disse Costa, demarcando-se da tese do PSD que insiste que, no ano passado, o défice ficou pelos 3%.
No mesmo dia em que, como o PÚBLICO revelou na sua edição de segunda-feira, enviou uma carta ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, argumentado as razões por que não devem ser aplicadas sanções a Portugal, o primeiro-ministro não confirmou a extensão do prazo de três semanas da Comissão Europeia para Portugal e Espanha propusessem medidas de correcção do défice, como foi avançado no domingo pela Reuters. “Ninguém deu três semanas a Portugal para corrigir o que é incorrigível”, ou seja, o défice de 3,2% do ano passado.
Contudo, para Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas o cumprimento das metas previstas pelo Governo para 2016 é essencial para evitar sanções. “Não vale a pena o Governo vir com desculpas esfarrapadas sobre o passado porque aquilo que será importante para evitar sanções é a garantia de que em Portugal as nossas metas serão cumpridas este ano”, disse ontem Passos Coelho na Figueira da Foz. “Se essa garantia existir”, considerou o antigo primeiro-ministro, “eu não acredito que haja sanções, e isso depende, no essencial, do Governo e da maioria que o apoia.”
Num texto de opinião ontem publicado no Diário de Notícias, Passos afastou a responsabilidade do Executivo que liderou em eventuais sanções e acusou o actual Governo de “atirar a confiança” pela janela fora. “Movido pelo lema de virar a página da austeridade, o novo Governo o que virou foi a página da credibilidade”, escreveu.
“Numa tentativa desesperada para reescrever a história, [o actual executivo] quer justificar sanções e a instabilidade financeira com os resultados que lhe foram legados pelo Governo anterior”, acusou o antigo primeiro-ministro.
Também Assunção Cristas, líder do CDS-PP e ex-ministra da Agricultura, utilizou esta argumentação. “O que parece evidente é que as sanções, tendo como base o défice de 2015, são bastante sensíveis àquilo que vai decorrer durante o ano de 2016”, afirmou em Lisboa.
“Sempre sinalizámos a incoerência das contas [de 2016], porém sempre ouvimos da boca do senhor primeiro-ministro, e ouvimos as instituições europeias aceitar, que era possível. Se é possível, o primeiro-ministro apenas tem que dar garantias de que consegue cumprir as metas a que se propôs”, sublinhou.
A presidente do CDS-PP desafiou ainda António Costa a divulgar a carta que enviou a Juncker. “Trata-se de correspondência entre o Governo português e a Comissão Europeia”, respondeu o primeiro-ministro, escusando-se a revelar o seu conteúdo.
Durante esta terça-feira, deputados e dirigentes do PCP vão estar em praças e estações ferroviárias das principais cidades do país em acções de esclarecimento contra a aplicação de sanções a Portugal. No comunicado em que divulgam esta iniciativa, os comunistas voltam a propor a celebração de uma conferência intergovernamental para decidir a reversibilidade dos tratados da União Europeia, nomeadamente do Tratado Orçamental.