Banco de sangue do cordão umbilical: momentos-chave do processo

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Adriano Miranda

2009

Julho

O primeiro e único banco português de armazenamento de células estaminais do cordão umbilical, o Lusocord, é criado durante o Governo liderado por José Sócrates e por despacho do então secretário de Estado da Saúde, Manuel Pizarro. A estrutura ficou instalada no Centro de Histocompatibilidade do Porto, num investimento inicial de 700 mil euros e com uma promessa de orçamento anual de dois milhões. A existência de um banco público de células do cordão umbilical justificava-se pela possibilidade que esta oferecia de colocar à disposição de todos os cidadãos células progenitoras hematopoiéticas, necessárias para a terapêutica de transplantação em determinadas doenças hematológicas, imunológicas ou outras. O banco público - determinou-se então - aceitaria apenas dádivas altruístas que ficariam à disposição de todos os potenciais receptores. Estimava-se então que, entre 1 % e 3 % dos espécimes criopreservados pudessem ser utilizados em transplantes.

2012

Maio

 A directora do Lusocord, a especialista em imuno-hemoterapia Helena Alves, alerta que as amostras de sangue do cordão umbilical criopreservadas no banco público ainda não estavam a ser usadas para tratamento porque a instituição estava sem staff e, dos dois milhões de euros previstos no Orçamento de Estado para 2011, o banco tinha recebido apenas 500 mil. Já então Helena Alves alegava que a libertação de apenas 50 amostras por ano daria um rendimento de um milhão de euros, que tornariam o banco auto-sustentável. Sem isso, a continuidade do banco estava a ser conseguida à custa de “muita poupança” e do “esforço e sacrifício pessoal de uma dúzia de funcionários contratados através de uma empresa de trabalho temporário”.

A primeira empresa privada de criopreservação de células do sangue do cordão umbilical a operar no mercado português, a Crioestaminal, coloca um anúncio televisivo em que, sob o slogan “O futuro guarda muitos milagres”, uma voz off aponta a existência de uma “hipótese em 200” de as crianças desenvolverem doenças cujo tratamento reside nas células estaminais. No take seguinte, um menino interpela: “Mãe, pai, guardaram as minhas células?”. Face à enxurrada de críticas, do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial ao Colégio de Especialidade de Imuno-Hemoterapia, passando pela Ordem dos Médicos, a empresa acabou por suspender o anúncio.

Julho

Em resposta a uma pergunta do PSD, com data de 23 de Julho, o Ministério da Saúde (MS) informa que a Autoridade para os Serviços do Sangue e da Transplantação (ASST) tinha feito em 2011 uma inspecção ao Lusocord tendo identificado “não conformidades” que obrigaram à suspensão da “distribuição, circulação e importação” de sangue do cordão. Segundo o MS, apesar das correcções entretanto feitas, só após uma avaliação de risco seria possível retomar as colheitas, o apoio financeiro e o reforço do banco em termos de recursos humanos. Já então, o MS adiantaria que, no âmbito da fusão do Centro de Histocompatibilidade do Norte no Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), o Lusocord passaria “em princípio” para a tutela deste organismo. Helena Alves acusa o Governo de “falta de noção ou má-fé” e explica que a inspecção que detectou as alegadas desconformidades partira de um pedido seu que visava reforçar os apelos ao reforço dos recursos humanos que vinha fazendo desde 2009. 

Agosto

Dia 10

Ministério da Saúde diz que colheitas de células do sangue do cordão umbilical estão suspensas, mas Helena Alves nega ter recebido qualquer ordem nesse sentido e garante que continuam a distribuir kits e a fazer 40 colheitas por dia, em média.

Dia 13

O Correio da Manhã noticia que o banco público continuava à espera de receber as verbas do Orçamento de Estado. Sem isso, e sem possibilidade de vender as suas amostras a bancos estrangeiros, o Estado estaria a desperdiçar 1,6 milhões de euros, apontava Helena Alves, baseando-se numa previsão de vendas de entre 30 a 40 amostras/ano. Aquele jornal escrevia então que uma amostra de sangue do cordão umbilical custava cerca de 20 mil euros no estrangeiro. “O Governo criou o banco em 2009 e depois abandonou-o”, acusava Helena Alves.

Dia 21

O ex-secretário de Saúde e deputado do PS, Manuel Pizarro, visita o Lusocord e lamenta que a sua actividade esteja limitada “por não ter o financiamento necessário e por não ter autonomia para recrutar os técnicos de que precisa”. “É um serviço indispensável para o país, porque o sangue criopreservado pode ser utilizado no futuro por quem necessitar de uma transplantação, ao contrário do que acontece com os bancos privados, onde o material fica ao dispor apenas das próprias famílias”, apelou Pizarro, dizendo temer que a suspensão das colheitas fosse “uma espécie de preparatório para encerrar o banco”.

Dia 23

O IPST passa a integrar na sua estrutura orgânica o Centro de Histocompatibilidade do Norte e, consequentemente, o Lusocord.

Setembro

Dia 5

Helena Alves é afastada do cargo de directora do Centro de Histocompatibilidade do Norte e do Lusocord, no mesmo dia em que criticou a forma como o IPST decidira suspender a actividade do banco por “60 a 90 dias”. Na opinião da especialista, a suspensão das colheitas visava apenas “desviar a atenção do objectivo principal que seria o encerramento da actividade de colheitas”. Para as funções antes desempenhadas por Helena Alves, são nomeados Fátima Freitas e José Teixeira.

Dia 6

Hélder Trindade garante que a ideia nunca foi “assassinar o banco público”, destinando-se a suspensão da sua actividade a permitir a reorganização dos serviços e repensar uma metodologia que permita retirar o máximo aproveitamento das amostras. Trindade dizia então poder retomar as colheitas até ao final de 2012 ou até antes. O Lusocord fizera até então 28.500 colheitas e criopreservara 8000 amostras, o dava uma “taxa de reprovação” de amostras na ordem dos 70%, que Hélder Trindade qualificou como “muito alta”. Helena Alves alega que estes valores correspondem “à média dos bancos mundiais com critérios de qualidade mais apertados”. E reitera que nenhuma das oito mil amostras criopreservadas fora libertada “por falta de pessoal para completar as análises e fazer a respectiva classificação genética”.

Outubro

Dia 3

- Helena Alves denuncia na Comissão Parlamentar de Saúde casos de profissionais de saúde em hospitais públicos que receberiam dinheiro de bancos privados (entre 800 a mil euros por mês) para promoverem os seus serviços junto das grávidas. A Crioestaminal confirmou a existência de rumores sobre a existência destes pagamentos e queixou-se do desaparecimento do material informativo da Crioestaminal, além da relativa ao banco público, dos hospitais No dia seguinte, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde promete investigar as denúncias.

- Crioestaminal oferece-se para ficar com as amostras do banco público de sangue do cordão umbilical, lembrando que, em vários países, como os EUA, existem bancos de sangue do cordão umbilical “híbridos”, que fazem simultaneamente o armazenamento de amostras para utilização familiar ou de terceiros.

2014

Junho

Direcção-Geral de Saúde autoriza a reactivação do banco público de criopreservação de células do cordão umbilical

2015

Janeiro

O presidente do IPST, Hélder Trindade, explica, em entrevista ao Diário de Notícias, que o Lusocord começou de novo, depois de terem sido revistos todos os processos e validados todos os passos, desde a recolha até ao processamento e congelação das amostras. Das 8000 amostras que herdara, 3000 estariam contaminadas e as restantes cinco mil teriam que ser validadas, uma a uma. Hélder Trindade explica então que o banco pública precisava de ter entre 15 e 20 mil amostras para ser eficaz e funcional. E disse contar chegar até ao final desse ano com 500 amostras validades e aptas a serem administradas a um doente “em Portugal ou em qualquer parte do mundo”. O objectivo era já então conseguir a acreditação junto da Netcord Foundation, o organismo mundial de certificação dos bancos de sangue do cordão.

Fevereiro

Em entrevista ao Expresso, o presidente do IPST anuncia que o banco público passará a ter dádivas dirigidas, ou seja, além da criopreservação de amostras de sangue do cordão universal para uso universal, passaria a congelar sangue do cordão umbilical de bebés saudáveis para ajudar irmãos em tratamento no Serviço Nacional de Saúde. Então, Hélder Trindade dizia terem sido já feitas 1124 colheitas, 289 com qualidade para criopreservar. “Até ao final do ano, gostava de ter 500 para pedir a certificação internacional”, repetiu.

Novembro

Hélder Trindade anuncia que o Lusocord vai alargar a recolha de amostras ao Hospital-Amadora Sintra, onde acorrem muitos utentes de raça negra, para assim garantir a diversidade genética e, consequentemente, a possibilidade de aumentar a resposta a pedidos de ajuda. O presidente do Lusocord apontava então também a intenção de alargar as recolhas ao Hospital Garcia de Orta.

2016

Maio

Em resposta ao PÚBLICO, o Lusocord anuncia que foram colhidas 3122 amostras de sangue do cordão umbilical, tendo sido criopreservadas 463, ou seja, 14,8%, o que dá uma taxa de reprovação de 85%. Os responsáveis do banco público alegam agora que a taxa de aproveitamento “é semelhante à que ocorre noutros bancos públicos com as mesmas exigências de segurança e qualidade” e que ronda “os 10 a 11% das colheitas”. As colheitas são feitas apenas no Porto, nos hospitais de S. João, Centro Hospitalar do Porto, e em Matosinhos, no Hospital Pedro Hispano. O Lusocord assevera ainda que “já se preparou a equipa de colheitas” no hospital Amadora-Sintra.

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