Conflito entre pais aumenta risco para crianças mas também denúncias falsas
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens publicam nesta quinta-feira o retrato da situação em 2015. Casos de exposição à violência doméstica voltaram a aumentar.
O município de Loures – onde uma bebé de dois anos foi morta pelo padrasto em 2015 – foi nesse ano a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de todo o país com maior volume de processos. De acordo com o Relatório Anual das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, publicado nesta quinta-feira, nesta comissão do distrito de Lisboa deram entrada 1821 sinalizações, mais do que as 1788 situações comunicadas à CPCJ da Amadora, que, nos últimos anos, liderou a lista dos municípios com mais situações comunicadas.
Dias antes da morte dessa criança a poucos meses de fazer três anos, um pai matara o filho, um bebé de cinco meses, em Oeiras. Não foram situações inéditas, mas tão próximas no tempo motivaram alertas para a maior gravidade das situações de perigo nos últimos anos – algumas detectadas a tempo, outras nunca sinalizadas nas comissões e outras ainda comunicadas mas não evitadas.
Já este ano, sucederam-se os casos de mães que tentam suicidar-se com os filhos, acabando por serem eles as principais vítimas – a mãe de Caxias que se lançou ao mar com as duas filhas, a mãe que foi salva no rio Cávado, para onde se atirou, levando ao colo o filho, que morreu. E aquilo que aparenta ser uma situação semelhante de suicídio e homicídio dos corpos encontrados esta semana num carro carbonizado nos Açores de uma mãe e do seu filho, já depois de em Janeiro, na Madeira, uma mãe com cancro ter envenenado o filho de 11 anos antes de se suicidar.
"São situações dramáticas e um sinal de que a comunidade tem que estar atenta", diz o presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, Armando Leandro, ao PÚBLICO. "Este é também um problema da saúde mental. Fazer prevenção da saúde mental é vital e os recursos não são suficientes para resolver essas situações de stress, de grande sofrimento e de graves conflitualidades parentais."
No panorama global das 308 CPCJ, a exposição à violência doméstica e a outros comportamentos que perturbam o bem-estar e o desenvolvimento infantil continua a motivar o maior número de denúncias. E volta a ser o problema que mais aumenta. Em 2015, foram comunicadas 12.237 novas situações, mais 28% do que as 10.862 comunicadas em 2014.
Reforço de 80 técnicos
Nesta situação predominam as denúncias relativas a crianças até aos cinco anos – pelo menos 3987 casos. Neste grupo, os bebés até aos dois anos representam cerca de 44% e as crianças dos três aos cinco anos à volta de 56%, segundo o relatório, que conclui que nestas idades, "pela dificuldade em comunicar e pela possível ausência de estruturas exteriores à família, o grau de perigo aumenta".
A tendência mantém-se igualmente no que respeita às medidas para evitar a retirada da criança do seu meio natural de vida. Quase 90% das 36.321 medidas de protecção de 2015 resultaram em apoios junto da família ou de outros familiares.
O universo de processos abertos continua a ser muito superior ao conjunto de processos que motivam uma medida de promoção e protecção das comissões. "Há situações [denunciadas] que não correspondem a situações de perigo ou sequer a situações de risco. E há sinalizações pouco consistentes. Mas, na dúvida, é sempre preferível que se sinalize uma situação, desde que corresponda a uma denúncia séria", explica Armando Leandro, que confirma a tendência também visível para um crescimento de denúncias "pouco sérias" que surgem de situações de conflito e que resultam em queixas relativas a situações que depois revelam ser menos graves.
Os casos de exposição à violência doméstica "aumentam exponencialmente", confirmou numa apresentação aos jornalistas a secretária de Estado da Inclusão e das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes.
A governante garantiu para Julho a colocação de mais 80 técnicos em 43 CPCJ de 36 municípios e a "actualização" de algumas verbas disponíveis. "Estamos a trabalhar tendo em vista não um aumento transversal da verba", mas "algum reforço financeiro nas CPCJ mais carenciadas", disse. "Não consigo perceber como um técnico pode fazer um trabalho de qualidade quando tem [a seu cargo] 120 processos, 120 vidas de crianças", como aconteceu nalgumas comissões após a saída de técnicos no ano passado.