Se o exame de História tivesse rosto
Talvez o exame de História tenha identidade própria. Sorria quando vê a minha mão mergulhada em tinta e o meu pensamento a sufocar com a matéria como se estivesse imobilizado dentro de um oceano profundo, a segundos de se afogar. Ou talvez seja eu que estou assustadoramente cansado.
Não consigo pensar em melhor metáfora para alcançar a maturidade do que esta prova. De certa forma, é impossível conseguir bons resultados sem lutar e lutar contra aquela folha medieval e tenebrosa, sem suar, sem sentir uma cortante e gélida brisa na espinha ao ver as horas a acumularem-se no relógio e continuar trémulo e hesitante enquanto tento reflectir sobre três aspectos estruturantes do impacto da Grande Depressão e das prioridades económico-sociais do regime nazi. A todos os redactores destes exames, um severo obrigado!
Ainda ontem, olhei pela janela do meu quarto, num dos poucos segundos que tive para respirar no meio de todo aquele fumo de revoluções e contra-revoluções e tratados e conferências que suspiravam através dos milhentos livros e fichas espalhadas pela minha escrivaninha, e vi duas crianças a jogarem à bola com um suave e carinhoso sorriso nos lábios. Desejei gritar com elas e expulsá-las dali, porém, nesse momento, apercebi-me de uma melancólica verdade: eu já fui assim, despreocupado e cheio de energia. Estarei a ficar velho? Não! A culpa é da História.
Penso para os meus botões: será que posso colocar no meu currículo que fiz o exame até ao fim? Independentemente da nota, será que o facto de ter sobrevivido a 15 páginas, quatro grupos e 700 anos de acontecimentos confinados em duas ou três folhas de teste é o suficiente para me arranjar um bom emprego no futuro? Devia! Será que se, numa entrevista de trabalho, disser isto chamar-me-ão piegas? Provavelmente.
No final da prova reparei que tinha as mãos sujas de tinta esferográfica e não consegui deixar de pensar que talvez isso tenha uma razão de ser. A cada letra que escrevi, a cada argumento que evidenciei, a cada erro que cometi tracei um bocadinho mais do meu futuro, um bocadinho mais da minha pessoa.
Qualquer que seja o nosso fado, enfrentaremos toda a história que está para vir com bravura.
Agora descansemos, que também faz bem.
Aluno do 12.º ano, Escola Secundária Rainha Dona Amélia, Lisboa