Rendas excessivas no sector energético na mira da maioria
Grupo de trabalho PS-BE vai retomar a discussão, que vem dos tempos da troika. Governo pretende renegociar contratos. Lucros das empresas são muito superiores em Portugal. E os preços também…
Os preços da energia no mercado diário não variam muito entre Portugal e Espanha. As diferenças são de cêntimos (no valor por megawatt/hora). No entanto, os consumidores portugueses pagam muito mais pela electricidade que chega às suas casas. No ranking das capitais europeias, Lisboa é a que tem a electricidade mais cara, face ao critério da paridade do poder de compra. Em termos absolutos é a terceira (atrás de Copenhaga e Berlim). Seja qual for o cenário, os lisboetas pagam sempre mais que os madrilenos (segundo o estudo recente “Household Energy Price Index for Europe” divulgado em Maio passado).
Esta não é propriamente uma notícia inesperada. O memorando de entendimento assinado entre o Governo português e a troika, os programas do anterior e do actual Governos, todos mencionam os “custos excessivos” pagos pelos contribuintes para o sector energético. E esse “excesso” pode ser ilustrado com um número: a taxa de lucro da EDP-Renováveis. Segundo o último relatório e contas da empresa Portugal, que representa apenas 7% da produção de energia da empresa, é o país mais lucrativo, responsável por 21% dos lucros (EBIT, antes de impostos). Isto porque o preço final médio praticado pela empresa no resto dos países onde opera (Europa e América do Norte) foi de 60 euros por megawatt, com uma margem de lucro de 24 euros. Em Portugal, o preço médio de venda, no primeiro semestre do ano passado, foi de 109 euros por megawatt, com uma margem de lucro antes de impostos de 74 euros.
Qual é a explicação para que, em Portugal, a EDP-Renováveis consiga lucros tão mais altos, face aos EUA, ou a Espanha? “Eu não explico... Em determinada altura o país precipitou-se na loucura do investimento muito precoce na tecnologia. Fizeram-se contratos muito ruinosos. Mas os contratos só são intocáveis quando a parte mais forte não os quer alterar. Estes contratos, o país e o sistema estão desequilibrados”, resume o ex-secretário de Estado da Energia do Governo anterior (PSD/CDS), Henrique Gomes, que se demitiu precisamente por não conseguir fazer valer a sua convicção de que seria necessário renegociar com as empresas produtoras de energia o valor dos subsídios estatais que lhes foram garantidos na última década.
O actual responsável pela pasta, Jorge Seguro Sanches, lembra que o Governo tem no seu programa a promessa de “renegociação de todos os contratos de concessão” na energia. E é isso que pretende fazer, “de uma forma muito rigorosa”, na expectativa de haver “algo a ganhar”. Para o secretário de Estado da Energia, a preocupação com o défice tarifário, que representa quase 5 mil milhões de euros, este ano, “é enorme”. Este défice resulta de uma decisão tomada no Governo de José Sócrates de não repercutir o aumento dos preços nas facturas, motivado pelo “sobrecusto” associado à produção de energias renováveis. A EDP é a principal credora desta dívida.
A EDP-R adianta que alguns "eventos contabilísticos extraordinários" terão aumentado o fosso entre os resultados de Portugal e os outros países. Nomeadamente os "decorrentes da concentração de actividades empresariais" e os "abates nos custos operacionais" que terão reduzido os lucros "em geografias como os Estados Unidos e o Resto da Europa". Quanto aos diferentes custos do serviço, a empresa afirma que estes "decorrem do progresso tecnológico" e do "custo de instalação de tecnologia".
Por isso, a empresa afirma que "o preço de venda requerido para a tecnologia eólica será sempre em função do recurso eólico na região, assim como do custo de investimento, sendo que o preço atribuído ou negociado/contratado deverá proporcionar uma rentabilidade razoável ao investimento". Por isso, conclui a EDP-R, "existe a necessidade de se pré-definir, antes da tomada de decisão de investimento, o preço de venda de electricidade, actualmente através de negociações bilaterais ou leilões."
Cenários de poupança
O Governo recebeu, na quarta-feira, o relatório que tinha pedido a um grupo de especialistas da Entidade Reguladora do Sector da Energia (ERSE) e da direcção-geral da Energia, sobre a forma de poupar nos custos financeiros desta dívida. O relatório - Estudo para a Repercussão dos Sobrecustos com a Aquisição de Energia a Produtores em Regime Especial – aponta alguns cenários de poupança que o Governo vai agora analisar.
Mas Jorge Seguro Sanches não põe em causa a “aposta correctíssima” que foi feita nas energias renováveis. Recentemente, uma notícia mostrava o outro lado desta moeda: durante 107 horas, Portugal consumiu apenas energia solar, hídrica e eólica, ou seja, foi auto-suficiente sem emissões de carbono, durante quatro dias. As renováveis são, além de uma aposta ambiental, um sector com importância económica, lembra o secretário de Estado, responsáveis por “1800 postos de trabalho directos” e “300 milhões de euros de exportações”.
Mas o Governo assume que quer “controlar os custos” neste sector. E lembra que este ano já foram vendidos em mercado 180 megawatts de energia solar “não subsidiados”. “O caminho é por aqui”, afirma Seguro Sanches.
No grupo de trabalho criado pelo PS e pelo BE, o tema das “rendas excessivas” também está a ser debatido. O assunto é polémico e está longe de ser a “preto e branco”, mas os valores que uma renegociação dos contratos com as eléctricas libertaria são interessantes numa altura de contenção orçamental. Jorge Costa, o deputado do BE neste grupo de trabalho, sublinha que “o combate à pobreza energética e a redução geral dos custos energéticos das famílias implicam um ataque frontal às rendas excessivas que são pagas no sector eléctrico, em particular à EDP. Nessas gorduras, que o memorando identificava, a direita e a troika nunca se atreveram a tocar”.
Em Espanha, uma alteração no mecanismo de subsídios estatais, levada a cabo pelo Governo, nos últimos anos, permitiu uma quebra nos preços finais. As empresas produtoras processaram o Estado, mas até agora, o Executivo de Rajoy ganhou.