OMS admite reduzir dose de vacina para reagir à epidemia de febre-amarela
Casos de febre-amarela em África continuam a aumentar e stock de vacinas é limitado. Peritos defendem que um quinto da dose da vacina garante protecção contra a doença por um ano. Último balanço da epidemia registou mais de mil casos suspeitos na República Democrática do Congo desde Março.
Um grupo de peritos independentes recomendou à Organização Mundial da Saúde (OMS) que, num cenário de escassez global da vacina para a febre-amarela, se use um quinto da dose habitual da vacina para combater a pior epidemia de febre-amarela das últimas décadas em Africa. Os receios de que a epidemia alastre aumentaram depois de serem reportados, desde Março, mais de mil casos suspeitos desta doença na República Democrática do Congo.
“Os peritos concordaram em propor se necessário, no caso de falta de vacinas, dividir a vacina em cinco [doses]”, declarou esta sexta-feira Tarik Jasarevic, porta-voz da OMS. A única forma de controlar esta doença viral, transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti – o mesmo que contamina com o vírus Zika e a dengue – é através da vacinação. “Um quinto da dose será suficiente para garantir imunidade por, pelo menos, 12 meses”, adiantou o porta-voz da OMS. A dose normal da vacina garante uma imunidade vitalícia.
A OMS sublinha que esta estratégia para diminuir as doses serve apenas para situações em que é necessária uma vacinação em massa de emergência, não para a imunização de rotina. É preciso ainda perceber se as doses baixas são eficazes em crianças, que podem ter uma resposta imunitária mais fraca, e é necessário também ultrapassar os actuais obstáculos na obtenção das seringas adequadas.
A actual epidemia de febre-amarela começou em Angola, a 5 de Dezembro do ano passado, mas a capital da República Democrática do Congo, Kinshasa, com mais de 12 milhões de pessoas, onde se registou um surto, é uma das maiores preocupações actuais das autoridades de saúde. O stock de vacinas para a febre-amarela já foi esvaziado duas vezes este ano para imunizar a população em Angola, Uganda e na República Democrática do Congo. Actualmente, o stock tem uma reserva de 6 milhões de doses que pode não ser suficiente para os surtos que estão a surgir ao mesmo tempo em várias áreas densamente povoadas. Mais de 18 milhões de doses da vacina já foram distribuídas em campanhas de vacinação de emergência nos três países de África.
Em Angola, o número de vítimas mortais chegou a 345 (incluindo os casos suspeitos, prováveis e 108 casos confirmados) desde o início da epidemia, segundo o relatório da OMS divulgado esta quinta-feira. Estão contabilizados também 3137 casos suspeitos. Na República Democrática do Congo, desde Março (a declaração oficial do surto foi a 23 de Abril), foram reportados 1044 casos suspeitos e 71 vítimas mortais.
Além da República Democrática do Congo, o Quénia e a China já têm também casos confirmados de febre-amarela importados de Angola. Outros países, como o Brasil, o Chade, a Colômbia, a Etiópia, o Gana, o Peru e o Uganda, registam surtos ou casos esporádicos de febre-amarela que não estarão ligados à epidemia iniciada em Angola.
As preocupações sobre as limitações no abastecimento das vacinas já começaram há alguns meses, com um grupo de especialistas a propor uma diminuição da dose num artigo publicado no The Lancet, em Abril. Em causa estão mesmo as condições de produção da vacina: faltam ovos de galinha embrionados, a partir dos quais se faz a vacina. E apenas quatro locais no mundo produzem a vacina da febre-amarela: a farmacêutica francesa Sanofi Pasteur, e institutos de investigação médica no Brasil, no Senegal e na Rússia.
A infecção, que causa uma febre hemorrágica – que provoca uma icterícia que dá nome à doença – está presente em 16 das 18 províncias angolanas, diz a OMS. A maioria dos pacientes recupera dentro de alguns dias, mas 15% passa a uma fase mais drástica da doença, com sintomas que incluem hemorragias e falência dos órgãos – metade destes doentes morre se não tiver tratamento de apoio à vida.
A progressão da febre-amarela em Angola está relacionada com o desinvestimento na saúde, agravado pela crise económica causada pela queda do preço do petróleo nos mercados internacionais. O orçamento para a recolha de lixo foi cortado em 70%, com o lixo a acumular-se nas ruas, sobretudo nas zonas mais pobres – como Viana, onde foi relatado o primeiro caso, em Dezembro. O mosquito Aedes aegypti gosta de viver entre os seres humanos – na verdade, pica apenas pessoas – e gosta do ambiente de lixos abandonados, locais onde se acumula humidade.