Mais alto, mais rápido, mais Savages no regresso emocional ao Porto

Há três anos as britânicas Savages haviam dado um importante concerto no festival na altura em que se afirmavam. Esta sexta-feira retribuíram o afecto sentido com um concerto esmagador.

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Concerto das Savages nesta sexta-feira no Primavera Sound Paulo Pimenta
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Concerto das Savages nesta sexta-feira no Primavera Sound Paulo Pimenta
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Destroyer Paulo Pimenta
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Beach House Paulo Pimenta
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Beach House Paulo Pimenta
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Dinosaur Jr. Paulo Pimenta

O primeiro concerto que as britânicas Savages deram em Portugal havia sido ali em 2013. O álbum de estreia tinha sido lançado meses antes. Eram pouco conhecidas ainda. Mas o último dia do festival Primavera Sound no Porto, em 2013, foi seu. Quem as viu nessa altura percebeu de imediato que estava perante algo de único num desses momentos em que ficou nítido que tinham tudo para se transformar num caso de culto. Para elas também foi uma ocasião especial. Em Janeiro deste ano, aquando da edição do segundo álbum Adore Life, a cantora Jehnny Beth dizia-nos que tinham sentido de forma intensa o calor do público numa altura de afirmação para elas.

Esta sexta-feira quando se preparavam para interpretar Fuckers no Nos Primavera Sound, a cantora recordou esse concerto, dizendo que aquela canção, que por norma encerra os seus espectáculos de forma arrasadora, tinha sido engendrada nessa precisa noite, decorrente do afecto que haviam sentido da parte da assistência. Já se sabe das posteriores passagens por Portugal que as inglesas nunca falham. Mas na sexta-feira era o regresso emocional a um festival onde tinham sido muito felizes. E acabou por ser, também por isso, um concerto especial.

Hoje já não existem grandes dúvidas que em palco são das melhores formações rock da actualidade. Em palco Jehnny Beth é invariavelmente felina e intensa, de exposição sem simulacros e dramatismo teatralizado, maior do que a vida, na esteira de uma das suas heroínas que haveria de se mostrar mais tarde, PJ Harvey. Quando canta, ou se entrega literalmente à assistência, arremessando-se para cima desta, sendo transportada em braços pela multidão eufórica, é sempre expressiva, comunicando com as mãos, a face, o corpo.

Depois existe o som, um rock contundente e selvagem, sem ser primário, com o baixo de Aysse Hassan e a bateria de Fay Milton garantido que as fundações rítmicas são dinâmicas. A mais discreta é Gemma Thompson mas a sua guitarra é essencial na definição da intensidade do som. Às tantas, a meio do cerimonial, Jehnny Beth ameaçou que iriam tocar ainda mais alto e mais rápido e assim foi. Um concerto em crescendo, olhos nos olhos com o público.

Na forma como se movimentam, na roupa a preto e branco, e no som, está contido o paradoxo de que se alimentam: a precisão quase militar dos gestos desemboca numa música rock frontal, física, catártica e sensual à sua maneira. O irónico é que, logo no início, Jehnny Beth havia avisado que não estava em grande forma, com dores de costas, pedindo ao público para dançar por ela, já que ela não o iria conseguir fazer devidamente. Mas não foi isso que se viu. Foi igual a si própria, não evitando sequer o efeito de galgar pela assistência.

Algumas canções do primeiro álbum, com destaque para Husbands ou Hit me, foram das mais festejadas, mas foi um concerto a incidir sobre o último álbum, do desvario virulento de The answer, com Jehnny Beth a gritar “Love is the answer”, passando pelo poderio de I need something new, com a bateria e o baixo a definirem um ambiente obsessivo e ritualístico, até à introspecção de Adore – "Is it human to adore life?”, interroga ela, para terminar de forma triunfal, lançando "I adore life". O público, esse, foi reagindo sempre com entusiasmo, esmagado por uma performance que acabaria com Fuckers, com a cantora correndo mais uma vez pelo palco de forma predadora, apoderando-se por completo dele e lançando “Don’t let the fuckers get you down, don’t let them take away this song”, num tema em crescendo, com as Savages a retribuírem – “Vocês deram-nos tanto amor!”, exclamou às tantas Jehnny Beth em referência ao concerto de há três anos – o que haviam sentido naquele recinto.

Quem também já foi muito feliz naquele espaço foram os Beach House de Victoria Legrand. Foi em 2012 que os americanos ali deram um magnífico espectáculo. Tal como as Savages também eles nessa ocasião actuaram na tenda Pitchfork. Desta feita foram promovidos ao palco principal, mas o efeito não se reproduziu. Há uma semana tínhamo-los visto efectuar magia no Primavera Sound de Barcelona, mas no Porto não conseguiram repetir esse feito.

Não foi um mau concerto, principalmente para quem se disponibilizou para ir para a frente do palco – porque como já se percebeu quem não o faz arrisca-se a levar com uma sessão imparável de gritaria em grupo – mas não foi o paraíso na terra. E começaram bem. Som dolente e espaçoso, a guitarra de Alex Scally insinuando-se preguiçosamente, enquanto teclados e uma bateria poderosa completam um quadro de canções sonhadoras (Myth, Beyond love, 10 mile stereo) servidas pela sedosa voz de Victoria. Mas ou porque esta se mostrou um pouco fadigada, ou porque o desenho de (contra) luz nunca deixou sentir verdadeiramente a presença dos músicos, a verdade é que o concerto foi prosseguindo sem sobressaltos de maior, mas sem o desejado alento extra de inspiração.  Foi apenas saboroso.

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Melhor haviam estado horas antes, ao entardecer, os canadianos Destroyer de Dan Bejar. O próprio já o afirmou: os concertos não são o seu habitat natural e sente inúmeras vezes que não é um grande performer, no sentido de ser alguém capaz de provocar a cumplicidade do público. Isso é verdade. Mas Dan Bejar carrega consigo a existência, a voz, as letras e a banda necessárias para dar bons espectáculos. E foi isso que aconteceu, apresentando essencialmente canções dos dois últimos álbuns Kaputt (2011) e Poison Season (2015).

Na teoria dir-se-ia ser difícil expor em palco canções espaçosas e elegantes que têm tanto de pop, como de jazz ou até de ambientalismo, mas conseguem-no. A presença de todos os intervenientes é quase sempre sóbria, mas mesmo quando são abordadas as canções mais planantes como Chinatown ou Kaputt o colectivo imprime-lhe uma toada orgânica, com os metais em destaque, o mesmo acontecendo nos temas mais dinâmicos como Times Square. E para o fim ficou Bay of pigs, extraordinária canção pop, navegando pelo desencanto e pela celebração, pelos New Order e por Frank Sinatra, dissolvidos numa manta de elementos, alguns electrónicos e outros eléctricos, rumando todos na direcção da transcendência.

Quem anda a celebrar a segunda juventude são os americanos Dinosaur Jr. de J. Mascis e Lou Barlow que, do que vimos, mantêm as propriedades intactas que lhes granjearam culto. Guitarras ao alto, ruído nervoso, bateria de Murph a marcar o ritmo, uma atitude em palco simples e directa e um público disponível para com eles se ligar à corrente, com passagens por Little fury things e para uma versão recebida em júbilo de Just like heaven dos The Cure.

No mesmo palco actuaram os Floating Points, outra forma de dizer Sam Shepherd, DJ e produtor britânico, que em palco se faz acompanhar por um colectivo de músicos. Há uma semana deram um bom concerto em Barcelona e, do que vimos, no Porto, repetiram-no, com um som jazz-funk inquieto, capaz de revelar a paixão electrónica do seu criador, mas também todos os cruzamentos que o movem, em autênticas odisseias instrumentais que por vezes revelam complexidade, mas que também apontam para o centro da fisicalidade.

A mesma que esteve por detrás da actuação dos Kiasmos, sobreposição de ritmos dançantes e atmosferas abstractas que encerrou o palco Superbock, onde antes as Savages tinham dado um excelente concerto, no dia mais rico do evento em termos de cartaz. O festival termina este sábado com Linda Martini, Chairlift, Air, Moderat, Battles, Car Seat Headrest ou A.R. Kane.

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