Governo quer dar médico de família a mais de 600 mil pessoas já em Julho
Mais de metade das vagas abertas são para a região de Lisboa e Vale do Tejo, onde ainda há mais de 700 mil pessoas sem médico de família.
Vai ser o concurso mais rápido dos últimos tempos, se tudo correr como previsto. O Ministério da Saúde abriu 338 vagas para contratação de jovens médicos de família nos locais mais carenciados do país, sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve. Os médicos devem começar a trabalhar já a partir do início de Julho e a sua contratação (se todas as vagas forem preenchidas) permitirá que mais de 642 mil pessoas passem a ter clínico assistente nos centros de saúde, segundo adiantou ao PÚBLICO a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). O despacho foi publicado esta quinta-feira no Diário da República.
“A cada médico deverá ser atribuída uma lista de 1900 utentes, o que terá um potencial de cobertura médica de 642.200 utentes”, esclareceu a ACSS, em resposta escrita, precisando que a data prevista para a entrada em funções dos novos médicos é “1 de Julho”.”É uma óptima notícia”, reagiu o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Rui Nogueira, que nota que esta é a primeira vez, nos últimos anos, que um concurso para contratação de jovens médicos que terminam a especialidade é de âmbito nacional [antes eram regionais ou com júris nas cinco regiões de saúde do país) e que é dispensada a realização de entrevista, tornando o processo de contratação muito mais célere.
Mas Rui Nogueira acha que é "objectivamente impossível" que os jovens médicos comecem a trabalhar já em 1 de Julho e sustenta que é "muito ambicioso" dizer que terão listas de 1900 utentes, como anuncia a ACSS. “Esse número [listas de 1900 utentes] não é possível nem resulta na prática. Isso não é dar mais médicos aos doentes, é dar mais doentes aos médicos. São contas políticas”, critica. Rui Nogueira lembra ainda que há sempre vagas que ficam por preencher nos concursos, porque há locais para onde os profissionais não querem ir, antecipando que os 338 lugares dificilmente serão todos ocupados.
O número de médicos que terminaram a especialidade em Abril não chega ao 300, a que se somam as cerca de quatro dezenas de especialistas que no ano passado ficaram de fora por não quererem ir trabalhar para determinados locais e que agora também se vão poder candidatar. “Isto é uma injustiça”, sustenta o presidente da APMGF, que nota que os jovens médicos que acabaram este ano a especialidade já foram submetidos a uma avaliação escrita, ao contrário dos outros.
Seja como for, se as vagas definidas no despacho assinado pelo secretário de Estado Adjunto e da Saúde forem preenchidas, vai ser possível dar resposta a um número significativo de pessoas que não têm médico de família atribuído, mais de metade do total estimado em Portugal. Serão mais de 500 mil pessoas, frisa Rui Nogueira. Olhando para o mapa das vagas, percebe-se que muitos dos médicos que acabaram a especialidade no Norte e mesmo no Centro vão ter que ir trabalhar para o Sul do país.
Locais mais carenciados
Os locais mais carenciados, a crer na lista agora divulgada, são os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) de Sintra (19 vagas), do Alto Tâmega (17), do Estuário do Tejo, de Loures-Odivelas, do Algarve II Barlavento, todos com 15 vagas. Seguem-se os ACES do Pinhal Litoral, de Almada Seixal, do Arco Ribeirinho, da Arrábida, e do Algarve I Central, com 14 vagas cada.
De acordo com o despacho, podem concorrer todos os médicos detentores do grau de especialista na área de Medicina Geral e Familiar que não tenham uma relação jurídica de emprego por tempo indeterminado com serviços do Estado. Este despacho segue-se a um decreto-lei, publicado na quarta-feira e que veio estabelecer um regime especial e transitório para admissão de médicos.
Para a região de Lisboa e Vale do Tejo, no total, ficam cerca de metade do total de vagas. Mesmo assim, não serão suficientes para colmatar todas as necessidades identificadas, uma vez nesta região há mais de 729 mil utentes sem médico, mais do dobro do que em todas as outras regiões de saúde do país em conjunto, de acordo com a última avaliação oficial, divulgada em Janeiro. “O país continua a ter muitas assimetrias”, lamenta Rui Nogueira.
Em Janeiro, havia ainda mais de um milhão de pessoas sem médico de família (1.054.000). Na região de Lisboa e Vale do Tejo, mais de um quinto dos inscritos nos centros de saúde não tinham médico assistente. Em pior situação estava ainda o Algarve, com 22,7% dos utentes sem médico de família. O Norte era, de longe, a região em melhor situação (apenas 2,6% dos incritos sem clínico atribuído). Nessa altura, faltavam mais de 600 médicos de família em todo o país.
O actual Governo acredita que vai ser possível dar um médico de família a todos os portugueses até ao final da legislatura e, para poder cumprir essa promessa, além de contratar todos os jovens especialistas com celeridade, compromteu-se a abrir mais unidades de saúde familiares e a contratar também profissionais aposentados. Com esse objectivo, em Março foi aprovado um regime especial para atrair especialistas reformados, permitindo que acumulem a pensão com 75% da remuneração (no anterior regime era possível acumular a pensão com apenas um terço do salário).
Se as previsões do Ministério da Saúde se confirmarem, até 2020, 2148 internos vão terminar a especialidade de Medicina Geral e Familiar e, ao mesmo tempo, haverá 1220 médicos a atingir a idade legal de reforma. Rui Nogueira lembra, todavia, que há um grande número de médicos de família que vão atingir a idade de reforma entre 2019 e 2022. “Vai haver uma concentração de aposentações e teremos de novo um impacto na capacidade de resposta”, antecipa.