Jovens para quem a vida não é senão esperar
A Noite Canta foca-se na crise dos jovens que se vêem sem sonhos, na sua espera constante de que algo lhes aconteça. É uma encenação de Tiago Correia para mais uma noite do FITEI 2016.
No fundo, isto é sobre nós. Sobre aqueles dois em palco, ele e ela, que não têm nomes, nem local, nem nacionalidade. Nem têm sonhos. De alguma forma, isto é também uma autobiografia de Jon Fosse, o autor do texto original. Uma versão exagerada, transformada numa tragédia contemporânea, que ridiculariza o que somos e o que sofremos. Tudo no limite, para nos mostrar o quanto dói e o quanto lhe doeu.
A Noite Canta os seus Cantos é um texto já habituado às andanças de novas interpretações, nesta canseira de andar na boca e no palco de outros. Não fosse Jon Fosse um dos dramaturgos mais representados da Europa. Pegar num texto assim não foi fácil, mesmo sendo Tiago Correia o vencedor do Grande Prémio de Teatro Português de 2016, da Sociedade Portuguesa de Autores. É ele o encenador e produtor da adaptação A Noite Canta, em cena este sábado, no Teatro do Campo Alegre, em mais uma noite de FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica. As novidades que quis trazer à peça – pelas luzes, pelo cenário e pelo vídeo – podem ter a força (e a responsabilidade) para se voltar a afirmar no teatro português.
A peça explora a crueldade de uma juventude sem sonhos e que espera a mudança que lhes vá mudar a vida – mesmo assim, cheia de redundâncias. Na pele de um casal que se destrói à medida que adia o fim de uma relação, vive-se entre o passado e o futuro, sem que o presente seja mais do que esperar que algo aconteça. Ele, o actor António Parra, que a vê a enganá-lo. Ela, uma Ana Moreira “cheia de personalidade como ela mesma”, que o vê a vegetar naquela casa de onde não sai. Ele que já nem do sonho da escrita se sustenta. Ela que trabalha para sustentar a casa e vive na claustrofobia desta vida. Uma tragédia “em que não há bons nem maus”, e em que cada um se consome e consome o outro com as suas frustrações.
Ele é um jovem comum, que representa “estes jovens” de todos os dias, que não têm emprego, que perderam os sonhos e (sobre)vivem como que abandonados, sem o apoio dos pais e desenraizados da existência social. E tantas como ela, que trabalham, mas nem importa o que fazem, porque nestes dias o dinheiro vence os sonhos e “o que se quer fazer da vida”. “Isto é mesmo sobre nós. Nós, que somos a geração mais formada de sempre, andamos tanto a trabalhar para uma coisa, que depois não podemos fazer. A realidade é que não há lugar para nós. Vamos pôr em causa vinte anos da nossa vida e desistir disso tudo?”. Tiago Correia vê assim a sua geração, reflectida no desespero total destas personagens. “Eles precisam de uma mudança nas suas vidas, mas não conseguem, porque não há nenhuma possibilidade boa. Então vão esperando e ficam.” A vida, para eles, não é se não esperar.
No palco, ele e ela confrontam-se, sem o prenunciarem, com o sentido da vida. “Se ao fim de vinte anos os meus sonhos saem furados, eu tenho que me adaptar a isso? Vale a pena?” Esperamos o quê? Fazemos para quê? A cenografia realista criada por Ana Gormicho leva o público a questionar o mesmo.
Para esta peça, Tiago Correia volta a juntar a prata da casa, a equipa que o acompanha deste 2011, quando se iniciou nestas andanças, pelo teatro a solo e com a companhia A Turma, que fundou, pela televisão e pelo cinema. Nesta produção, o encenador conta com Ana Moreira, uma “sorte” que lhe permitiu aproximar-se de uma estética realista, próxima da cinematografia. “Este é um papel para se ganhar um Melhor Actriz em Teatro”, diz. E é para lá que Tiago quer continuar a andar, a caminho dos prémios.
O espectáculo tem estreia marcada para as 21h30h, no Teatro do Campo Alegre. João Fiadeiro, que também já encenou uma adaptação desta peça, debatia-se com a seguinte questão: se o real que deu origem à ficção iria sobreviver à representação? No trabalho de Tiago Correia, a realidade chega a inquietar por ser tão próxima. Um texto originalmente escrito em norueguês, mas que podia passar-se na porta ao nosso lado, porque esta crise não tem nacionalidade, apenas tem muito de europeu, e muito de nosso. Talvez esta seja uma tristeza que mata.
Texto editado por Isabel Coutinho