LCD Soundsystem no Primavera Sound como se nunca se tivessem ido embora
Em Barcelona, no Primavera Sound, actuam por estes dias muitos dos nomes que farão parte dos cartazes de festivais portugueses. Esta quinta-feira destacaram-se os LCD Soundsystem, Tame Impala, Destroyer ou Air.
Há alguns meses, admiradores dos LCD Soundsystem, liderados pelo carismático James Murphy, sentiram-se traídos porque foi anunciado que estariam de regresso, depois de há cinco anos se terem retirado com grande alvoroço mediático. Percebe-se a sensação de logro. Mas isso é superado quando os reencontramos ao vivo, como aconteceu na noite desta quinta-feira, no festival Primavera Sound de Barcelona, naquela que foi a primeira data na Europa depois de terem decidido retornar — em Agosto estarão em Portugal para actuar no Vodafone Paredes de Coura.
Foi como se nunca tivessem partido. Continuam uma máquina imparável de ritmo alicerçada em funk, house ou rock. A única diferença é que a maior distância temporal intensificou a ideia de que muitas das suas canções se transformaram em hinos geracionais para quem os viu crescer nos anos 2000. A sua música não se dança apenas, também se canta. O que não deixa de ser paradoxal porque Murphy sempre assumiu que as palavras tinham, acima de tudo, um valor performativo. Como se fossem mais um som. E é nisso que se pensa ouvindo-o, e à multidão, gritar de forma obsessiva um simples “yeah, yeah, yeah” (em Yeah), como se fosse a sua voz a incitar os companheiros a transcenderem-se, numa demonstração de que é possível transformar uma canção aparentemente banal num momento épico.
Claro que existem momentos mais líricos, como na interpretação da balada New York i love you but you’re bringing me down, mas prevalece a vertigem física de canções que já fazem parte da história das electrónicas e do rock do século XXI como Losing my edge, Daft Punk is playing in my house, Dance yrself clean ou, o êxtase final, com All my friends. No início, o cenário é dominado por uma enorme bola de espelhos, mas um concerto dos LCD é mais do que uma pista de dança. Há também melancolia, a sensação irrefutável da passagem do tempo. E é pela exposição de todas essas contradições que os LCD são grandes. Como a sua música, também Murphy, está longe de corresponder ao cliché do líder de uma banda de grandes multidões. É apenas mais um entre nós. Alguém capaz de partilhar as suas dúvidas.
Num festival gigante em termos de cartaz, com inúmeros concertos a acontecer em simultâneo, foram eles, e em parte os Tame Impala, os que congregaram mais atenções. O que tem custos. Num concerto dos LCD apetece estar lá à frente, sentir o vigor dos músicos, perceber o suor a escorrer dos rostos, mas a maior parte tem de se contentar com a visualização à distância dos ecrãs. No anfiteatro de Coura, temos a certeza, será uma celebração inesquecível.
Os australianos Tame Impala, que irão estar em Julho no Nos Alive em Lisboa, foram prejudicados por uma quebra no som a meio da sua prestação, mas nada que tivesse efeitos irreversíveis num concerto onde se revelou a simbiose com um público que os tem visto crescer nos últimos anos de forma imparável. Mesmo quando apresentaram as canções mais electrónicas do seu último álbum Currents – que provocou algumas divisões entre os admiradores – prevaleceu o sentido de festa e a euforia partilhada entre palco e multidão com bases sintéticas, psicadelismo e confetti pelo ar.
No próximo fim-de-semana, no Nos Primavera Sound do Porto, estarão alguns dos nomes que actuam por estes dias em Barcelona. É o caso do duo francês Air que se apresentou com mais dois músicos, para uma prestação que passa em revista o seu percurso de quase 20 anos. Curiosamente, durante o espectáculo dos Tame Impala, o seu líder, Kevin Parker, referiu-se-lhes como sendo uma das suas bandas preferidas de sempre. Durante a tarde, em entrevista aos franceses, estes tinham-nos dito que os Tame Impala lhes agradavam sobremaneira. Fala-se então de psicadelismo.
Existe esse ponto em comum. Mas o psicadelismo dos Air reconforta mais do que provoca. Principalmente neste espectáculo baseado na edição de uma antologia de êxitos. Os franceses viveram sempre com o estigma de fazerem canções etéreas que, supostamente, teriam dificuldade em criar impacto num ambiente disperso de festival. Mas não foi isso que se sentiu em Barcelona, numa prestação que capta a elegância, o refinamento e as texturas cósmicas de parte das suas canções mais conhecidas (de Sexy boy a Kelly, watch the stars, passando por Cherry blossom girl).
O mesmo se poderia dizer da pop sonhadora dos britânicos Daughter ou do romantismo orquestral dos canadianos Destroyer, de Dan Bejar. Na teoria, poderiam ter dificuldade em vingar, mas não foi isso que se viu. Os primeiros fazendo lembrar, a espaços, os Beach House, na forma como o desenho melódico e os ambientes de volúpia se vão desdobrando em canções que acabam por se revelar sensualmente físicas. Já os Destroyer nem sempre conseguem fazer passar a sonoridade espaçosa, e os ambientes mistos, entre a mágoa e a celebração, que impera nos seus dois últimos álbuns, mas quando o alcançam o resultado é magnífico. Dan Bejar não é um homem de palco nato, mas a forma como os músicos se entregam à função, entre o jazz, a pop e o rock, contribuiu para um bom desempenho.
Em Julho, no festival Músicas do Mundo de Sines, irão estar os Mbongwana Star, do Congo. Do que vimos, têm todas as condições para serem uma das surpresas do evento. O ano passado, através da edição do álbum From Kinshasa, já se havia percebido que eram uma combustão electrizante de referências africanas e europeias (do afro-beat ao pós-punk) e em palco essa impressão é intensificada, com dois cantores paraplégicos em cadeiras de rodas, ladeados por três músicos, criando uma saudável balbúrdia sonora de vozes singulares, baixos distorcidos e percussões hipnóticas.
No final dos 1980, de forma diferente, esse encontro de universos diferenciados foi também provocado pelos britânicos A.R. Kane. No seu caso, tratava-se de unir as pontas soltas do dub, do ruído ou da música house, uma espécie de fusão entre Lee Perry, My Bloody Valentine ou Primal Scream antes de estes terem lançado o álbum Screamadelica (1991). A sua postura hoje em palco não é hedonista – e essa falta de interacção com a assistência poderá ser um dos problemas da sua prestação na próxima semana no Porto — mas a sua música continua a manter a frescura. Acabaram com Love from outer space, metáfora perfeita da sua sonoridade, misto de ambientes cósmicos e rock electrónico.
Uma das surpresas da noite aconteceu com Floating Points, uma ideia desenvolvida pelo britânico Sam Shepherd, que em disco tem cunho laboratorial, algures entre o hip-hop, o funk e as electrónicas, mas que ao vivo, acompanhado por um verdadeiro colectivo de músicos, se transforma numa dinâmica odisseia instrumental pelos caminhos do jazz-funk. De quem se esperava mais era de Car Seat Headrest, de Will Moledo, que tem dado nas vistas nos dois últimos anos com canções pop radiantes, com tanto de melodia como de distorção. O espaço Pitchfork onde actuou ao final do dia estava repleto de curiosos, sintoma que concentra hoje as atenções, mas as expectativas não foram totalmente cumpridas.
Pelo menos do que vimos, claro. Com uma dúzia de palcos com concertos, invariavelmente com uma programação criteriosa, divididos por um espaço gigante, só se consegue vislumbrar uma parte do que se deseja. Cass McCombs, Beak, Suuns, John Carpenter, Battles, Empress Of, Vince Staples, Kamasi Washington ou Peaches foram alguns dos outros nomes que evoluíram numa noite onde o grande momento foi o regresso dos LCD Soundsystem. Bem-vindos.