Cem mil polícias nas ruas numa máquina cansada e já com falhas
Milhares de polícias e militares vão estar nas ruas de França para garantir a segurança durante o Europeu. O fantasma do terrorismo assombra a prova e algumas falhas numa máquina de segurança cansada levantam preocupações.
Desde os atentados terroristas de Paris, em Novembro de 2015, e da Bélgica, em Março deste ano, que a questão da segurança durante o Europeu passou para o topo das preocupações de todos os envolvidos, do Governo francês às federações dos 24 países que vão participar na prova.
O Presidente François Hollande e vários membros do seu Governo não se cansam de repetir que o país está preparado para garantir a segurança dos franceses e dos 2,5 milhões de visitantes esperados nas cidades e nos dez estádios espalhados por todo o país.
Num país em alerta máximo de segurança desde os atentados de Novembro do ano passado, o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, admitiu recentemente que potenciais ataques terroristas e actos de vandalismo são a maior ameaça durante a competição. Para os tentar evitar estão mobilizados 77 mil agentes da polícia e da polícia de choque e 13 mil seguranças privados, que se juntaram aos 10 mil soldados já espalhados pelo país como parte das medidas antiterrorismo e que vão também ter mais responsabilidades de segurança no torneio.
Principais pontos de atenção serão os estádios, as chamadas fan zones (espaços de convívio destinados aos adeptos das diversas selecções), os locais em todo o país onde vão ser instalados ecrãs gigantes, os hotéis e os centros de treinos das 24 selecções.
Os estádios e as zonas de convívio dos adeptos serão totalmente rodeados por várias barreiras de segurança, com controlos exaustivos nas entradas e saídas, os adeptos serão revistados pelos agentes e haverá brigadas com cães para detectar explosivos. No total, serão gastos 24 milhões de euros para garantir a segurança dos intervenientes e espectadores.
As fan zones têm sido alvo de muita discussão nos últimos dias, com algumas vozes a defenderem a sua proibição. Ainda nesta quarta-feira foi divulgado um memorando interno do chefe da polícia de Paris a pedir o encerramento da fan zone junto à Torre Eiffel em dias de jogo, alegando “falta de pessoal suficiente para garantir a segurança”.
Em termos de segurança, estes espaços, onde se aglomeram milhares de pessoas todos os dias, são bons para a polícia melhor controlar os adeptos, evitando que eles se espalhem pelas cidades. O problema é que num país sob ameaça terrorista as fan zones tornam-se um alvo potencial.
Há ainda razões económicas contra o encerramento destes espaços. As fan zones são “parede” para publicidade de muitas empresas, que há muito tempo garantiram espaço publicitário a troco de contratos de milhões de euros e o seu fecho teria custos muito elevados para a organização, que seria obrigada de pagar chorudas indeminizações.
No domingo passado, o primeiro-ministro, Manuel Valls, tentou colocar fim à discussão, afirmando que a segurança nestes espaços está garantida e que eles não serão encerrados.
"Pedras na engrenagem"
Porém, algumas "pedras" têm caído na engrenagem deste enorme máquina de segurança. A última aconteceu no sábado. Aproveitando a disputa da final da Taça, entre o Marselha e o Paris Saint-Germain, no Stade de France, um dos alvos dos atentados do ano passado e que vai receber sete jogos do Europeu, as autoridades organizaram uma operação de segurança igual às que vão ser feitas durante os jogos da competição. Uma operação que era considerada um teste real ao dispositivo de segurança. Resultado final: “um fracasso.”
Os adeptos do Marselha e do Paris Saint-Germain, que venceu o jogo (4-2), conseguiram introduzir no estádio tochas e no decorrer do jogo foram visíveis pequenos incêndios nas bancadas, cheias com 80 mil espectadores. Foram ainda detectados nas bancadas capacetes de moto, garrafas de vidro e tubos de PVC, o que prova que o dispositivo de controlo de entradas e de acessos ao estádio falhou.
“As avaliações estão em curso para percebermos se é necessário, aqui ou ali, elevar o nível de controlo”, afirmou nesta terça-feira, o ministro do interior Bernard Cazeneuve, tendo por base o que apelidou de “problemas disfuncionais” registados naquele jogo.
O chefe da polícia de Seine Saint-Denis, Philippe Galli, foi mais claro e não escondeu "o fracasso" da operação: "O sistema de segurança falhou em alguns pontos, que têm de ser corrigidos". Já o seu adjunto, Jean-Christophe Lagarde, alargou o leque das preocupações afirmando que "as medidas de segurança exigidas pela UEFA não parecem estar adaptadas à actual realidade", salientando que o aglomerado de adeptos à entrada dos estádios "podem aumentar os riscos, em vez de os diminuir".
Outro foco de preocupação prende-se com a própria polícia. Em alerta permanente desde os atentados de Novembro os agentes e as suas chefias dizem-se esgotados, reclamam por mais meios humanos e materiais e até já vieram para a rua protestar contra o Governo e o Presidente.
Recentemente viram ainda o seu trabalho redobrado devido aos muitos protestos nas ruas contra as alterações à lei laboral e dizem ser impossível cumprir a determinação do Governo de nenhum agente folgar durante o mês em que dura o Europeu de futebol.
Neste vendaval de greves e protestos que varre a França nos últimos dias, as forças policiais também entraram no centro do debate. Por um lado, devido às muitas agressões de que os agentes têm sido alvo. Por outro, pelas queixas de agressões vindas de cidadãos que os acusam de violência gratuita.
Com os potenciais ataques terroristas no centro de todas as preocupações, as campainhas de alarme voltaram a disparar na passada semana com uma notícia do jornal inglês The Sun, que dava conta de que o Estado Islâmico teria planeado um ataque aos adeptos da selecção inglesa durante o Europeu.
Segundo o jornal, que cita uma fonte policial britânica, o plano terá sido descoberto através de documentos que se encontravam no computador de Salah Abdeslam, um dos terroristas envolvidos nos atentados de Paris.
Os dados recolhidos pela polícia durante as rusgas à casa de Salah Abdeslam, em Molenbeek, na Bélgica, incluem fotografias do porto de Marselha, onde os adeptos ingleses se deverão reunir para o primeiro jogo entre Inglaterra e Rússia, marcado para 11 de Junho.
Apesar de Salah Abdeslam ter sido detido, as autoridades britânicas acreditam que é possível que o Estado Islâmico não tenha desistido da ideia.
Faltam sete dias para arrancar o Campeonato da Europa de Futebol de França.