Concorrência avança com estudo aprofundado à economia de partilha nos transportes

Adequação da lei ao aparecimento de novas plataformas como a Uber é uma das preocupações do regulador.

Foto
Um dos pontos em análise pretende-se com as eventuais restrições à entrada de novos operadores REUTERS/Sergio Perez

A Autoridade da Concorrência (AdC) está a realizar um estudo aprofundado à economia partilhada nos transportes, para perceber de que modo a actual legislação terá de ser revista para enquadrar a actividade de operadores como a Uber ou a Cabify. 

"O quadro regulamentar actual não está a ser capaz de lidar com as alterações no mercado" no sentido de aproveitar as vantagens de inovação que possam surgir do aparecimento de novas aplicações e plataformas de transportes, afirmou nesta quarta-feira o presidente da AdC, que falava na comissão parlamentar de Economia.

Lembrando que o supervisor já se tinha mostrado disponível para ajudar o Governo e o regulador dos transportes (AMT) a reverem o quadro regulamentar de modo a enquadrar a actividade de empresas como a Uber, que à luz da legislação actual opera em Portugal de modo ilegal, Ferreira Gomes revelou que a economia da partilha está a ser objecto de uma análise aprofundada.

O regulador explicou que há vários pontos em análise, como a necessidade de perceber se há actualmente restrições na entrada de operadores no mercado de transporte urbano de passageiros - sejam novas aplicações como a Uber, sejam os próprios táxis.

A lógica é que, quantos mais operadores existirem no mercado, maior será a concorrência e o benefício para os consumidores, ao nível dos preços, mas também dos tempos de espera pelo transporte.

"Não defendemos operadores concretos, defendemos a concorrência", afirmou o presidente da AdC aos deputados. 

Neste trabalho, os preços são outra das matérias que estão a ser “avaliadas”, explicou António Ferreira Gomes. “Compreendemos que para protecção dos consumidores a regulação de preços [como é o caso das tarifas dos táxis] pode fazer sentido”, no entanto, quando se trata da “pré-reserva de um serviço poderemos questionar se se justificam as limitações aos preços”, exemplificou o presidente da AdC.

Outra questão que o regulador da Concorrência quer perceber é se “as exigências de qualidade que existem podem dificultar a diferenciação” na prestação destes serviços de transporte.

A análise aprofundada da AdC surge num momento em que a própria Comissão Europeia prepara recomendações aos Estados-membros sobre a forma de lidar com os serviços da chamada economia de partilha, como as norte-americanas Uber e Airbnb.

Segundo noticiou na terça-feira o Financial Times (FT), Bruxelas está a tentar que haja uma harmonização das regras aplicáveis a estes novos modelos de negócio em todos os Estados-membros. Assim, segundo o jornal britânico, o executivo comunitário estará a preparar um conjunto de linhas orientadoras para a regulação das actividades de transporte alternativo de passageiros e do arrendamento de curta duração de imóveis. Fundamental é que a proibição destas actividades seja sempre uma medida de último recurso, frisou o FT.

No Parlamento, o presidente da AdC disse aos deputados que, no caso do alojamento de curta duração, a legislação portuguesa está mais avançada e capaz de enquadrar actividades como a de empresas como o Airbnb. Porém, no caso do caso das novas aplicações de transportes, ainda é preciso garantir que “não se comprometem” as eficiências que estas são susceptíveis de introduzir na economia.

O sistema de avaliações feitas pelos clientes é apenas uma das virtudes que a Comissão Europeia reconhece aos novos serviços e aplicações, destaca o FT. Ainda que a Uber e a Cabify pudessem beneficiar com a harmonização de regras a nível europeu, nem todas as novidades sugeridas por Bruxelas poderão ser do agrado das empresas. O diário diz que a Comissão vai recomendar que os operadores de transportes que trabalham com o Uber possam ter o direito de definir os seus preços. Se isto não acontecer, a relação com a empresa passará a ser encarada como laboral, obrigando ao cumprimento das regras fiscais e de prestações sociais.

Para já, no caso português, sabe-se que a norte-americana Uber e a espanhola Cabify – que entrou no mercado há cerca de duas semanas – estão a actuar à margem da lei. Na linha daquilo que já tinha sido por diversas vezes afirmado pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) entregou recentemente um parecer ao Governo que fundamenta essa interpretação.

Esta já tinha sido confirmada no ano passado pelo Tribunal Central de Lisboa, na sequência da providência cautelar interposta pela Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (Antral), onde se considera que a Uber não cumpre os preceitos legais para o transporte de pessoas e que a sua actividade deve ser suspensa.

Porém, como a providência cautelar da associação que representa os taxistas visava a Uber norte-americana, a decisão ficou sem efeito, já que a actividade da empresa em Portugal está sob a alçada da Uber BV, com sede na Holanda.

O presidente da AMT, João Carvalho, afirmou recentemente no Parlamento que há necessidade de “acatar as decisões do tribunal", mas cabe exclusivamente à Antral pedir a execução da sentença, uma vez que foi esta associação que interpôs a acção judicial.

O presidente da Antral, Florêncio Almeida, reagiu a estas declarações, garantindo que entidades como o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, o Governo, a Anacom, as câmaras de Lisboa, Porto e Coimbra e os diversos operadores de telecomunicações foram todas notificadas pelo tribunal para fazer cumprir a decisão e que, por não o terem feito, serão incluídas na acção principal contra a Uber, que a associação de taxistas prometeu apresentar brevemente.

Sugerir correcção
Comentar