Muitas das alternativas aos colégios sugeridas pelo ministério não são viáveis

Ministério da Educação não contabilizou as turmas dos cursos profissionais para calcular a lotação das escolas públicas. Milhares de alunos arriscam-se a não ter uma escola para onde ir em Setembro, alerta Aeep.

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Ministério tirou financiamento para novas turmas a 39 colégios Adriano Miranda

Não faltam problemas de ordem técnica e política à análise da rede escolar que esteve na base da decisão do Ministério da Educação (ME) em reduzir o financiamento aos colégios com contratos de associação.

Desde o modo como foi calculada a lotação das escolas públicas, que são apresentadas como alternativa para os alunos do ensino particular, até à localização destas, passando pela avaliação feita à rede de transportes públicos, há todo um mosaico de obstáculos que poderá acabar por inviabilizar a passagem à prática das propostas apresentadas no estudo divulgado nesta terça-feira. E que foram entretanto assumidas pela secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, no despacho da semana passada que excluiu 39 colégios do novo concurso público para a atribuição de financiamento a novas turmas de início de ciclo.

“Absoluta perplexidade.” É assim que o director executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep), Rodrigo Queirós e Melo, resume a reacção do sector ao estudo elaborado pelo ME. “Constatámos que as decisões adoptadas pelo ministério não têm qualquer fundamentação técnica”, especifica, para alertar de seguida: a manterem-se, “haverá milhares de alunos que em Setembro não terão uma escola para onde ir”. “Só esperamos que o primeiro-ministro, olhando para este estudo, perceba que não existe qualquer consistência técnica e suspenda de imediato todo este processo”, apela.

Eis algumas das falhas detectadas pelo PÚBLICO.

Cursos profissionais ignorados

Conforme consta da nota metodológica que abre a análise da rede escolar, para o cálculo da lotação das escolas públicas não foram tidas em conta as turmas dos cursos profissionais, quando em muitas secundárias estão já em maioria. Aliás, quase metade dos alunos deste nível de ensino está inscrita naqueles cursos.

Na prática, tal significa, por exemplo, que para o cálculo da lotação das escolas públicas de Vila Nova de Famalicão não foram contabilizadas as dezenas de turmas dos cursos profissionais que ali funcionam (o concelho orgulha-se de ter mais de metade dos alunos do secundário nesta via de ensino) e que, a serem tidas em conta, alterariam os níveis de ocupação apresentados no estudo do ministério.

Ora, foi com base neste cálculo que se seleccionaram as escolas públicas que, na região, teriam capacidade para acolher as 49 turmas de início de ciclo — cerca de 1200 estudantes — que os três colégios com contrato de associação de Vila Nova de Famalicão abriram este ano, mas para as quais já não terão financiamento em 2016/2017.

Conforme explicado na nota metodológica do estudo do ME, estes níveis de ocupação foram calculados a partir da seguinte equação: n.º de turmas do ensino regular/n.º total de salas. Os resultados foram agrupados em cinco níveis — o 1 é o mais baixo, o 3 corresponde ao nível intermédio, que vai de 74% de ocupação até à sobrelotação, e o 4 e o 5 equivalem a uma taxa superior a 100%. Entre as escolas públicas propostas como alternativa, existem pelo menos duas que estão já no nível 3, e isto sem ter em conta os alunos das vias profissionalizantes.

Outro exemplo: nas Caldas da Rainha, o Colégio Rainha D. Leonor, do grupo GPS, que tem sido apresentado com um dos casos paradigmáticos de concorrência ao ensino público, é um dos que perde o financiamento para novas turmas de início de ciclo. No ano passado teve 12, o que corresponde a cerca de 300 alunos. Mas, no estudo do ME, as quatro escolas públicas nas Caldas da Rainha, que são apresentadas como alternativa, estão identificadas como estando nos níveis 4 e 5 de ocupação, ou seja, estão com lotação próxima ou superior aos 100% da capacidade. As que têm um nível 3 estão localizadas em Óbidos, a sete quilómetros de distância.

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Escolas noutros concelhos

Como acontece com o exemplo anterior, há muitos outros em que as escolas públicas sugeridas estão em concelhos diferentes daqueles em que se situam os colégios afectados e da área de residência de muitos dos seus alunos, o que poderá ter como consequência a exclusão de muitos destes.

Em 2013, em nome da liberdade de escolha, o anterior ministro Nuno Crato deixou cair a área de residência do aluno como condição de base para a sua inscrição, tendo passado a figurar em quarto lugar numa lista de dez prioridades, onde se dá primazia aos alunos com necessidades educativas especiais e aos que tenham frequentado o mesmo estabelecimento de ensino no ano anterior.

Na prática, os alunos residentes noutros concelhos e freguesias só têm lugar se ainda existirem vagas depois de estarem esgotadas todas as dez prioridades, o que frequentemente não acontece. Em Vila Meã, concelho de Amarante, a única escola existente é um colégio com contrato de associação. Está na lista dos que vão perder financiamento para novas turmas de início de ciclo. Em 2015 abriu 21. No estudo do ministério, devido a critérios de proximidade, sugere-se que os alunos do Externato de Vila Meã podem optar por uma escola pública que se situa no concelho vizinho de Lousada. Há outras três públicas avaliadas, uma também em Lousada e outras duas em Marco de Canavezes. 

Em Santo Tirso, para os alunos do Instituto Nun’Álvares, que no ano passado abriu 13 turmas de início de ciclo (325 alunos), são sugeridas seis escolas públicas, três delas localizadas noutro município (Vila Nova de Famalicão). Também para o colégio de Santa Maria de Lamas, um dos maiores com contratos de associação, das seis públicas sugeridas para acolherem as 28 turmas de início de ciclo que este abriu no ano passado (cerca de 700 alunos) só três se situam no concelho de origem, Santa Maria da Feira. Estes são apenas alguns de muitos casos semelhantes.

Em resposta ao PÚBLICO sobre esta opção por escolas de outros concelhos, o Ministério da Educação optou por não se pronunciar sobre os critérios a que obedecem as matrículas no ensino público. Limitou-se a referir que não pretende sugestionar os pais a escolher a “escola ‘x’ ou ‘y’”, mas apenas garantir que “na zona da proximidade de determinados colégios há capacidade suficiente nas escolas públicas para receber mais alunos”. Ou seja, acrescentou, “escolas que estão num raio de proximidade, têm espaço e recursos humanos disponíveis, boas instalações e uma rede de transportes capaz de responder às necessidades das famílias”. O que também não se verifica, como se verá a seguir. Todas as outras questões relativas a problemas aqui identificados ficam sem resposta.

Transportes escassos

Um dos critérios que esteve na base da avaliação da disponibilidade de escolas públicas nas mesmas zonas de colégios com contratos de associação foi a existência de uma rede de transportes públicos, que assegurasse a deslocação dos alunos para os novos estabelecimentos de ensino, que podem distar até dez quilómetros de distância. Mas, aparentemente, o ministério ficou-se pela constatação de que estes existem, ignorando os horários em que circulam.

Voltemos a Vila Meã, que está longe de ser caso único. Maria do Céu Pinto, professora e antiga aluna do Externato de Vila Meã, dirigiu nesta quarta-feira uma mensagem ao ministro da Educação, via Facebook, a que deu o título “Carta de uma Professora a um Ministro num Gabinete, em Lisboa”. Escreve ela: “Nós não temos sinais exteriores de riqueza, Sr. Ministro, porque nós não somos a Parque Escolar — nós somos uma terra onde os transportes públicos escasseiam, onde os pais precisam da escola para que os filhos vão até onde eles não puderam ir. Uma pergunta, Sr. Ministro — se tivesse filhos e não houvesse autocarros, fá-los-ia andar entre 49 a 109 minutos a pé até Lousada? Ou entre 89 a 133 minutos até ao Marco? Sr. Ministro, os seus cálculos são errados. Sabe, as crianças não vivem no Externato, por isso, para algumas, até serão maiores as distâncias a percorrer.”

Os tempos de deslocação referidos por Maria do Céu Pinto são os apresentados no estudo do Ministério da Educação, tendo como ponto de partida o externato e como ponto de chegada as escolas públicas que ali são sugeridas com alternativa. O ME calculou estes tempos, assim como as distâncias, a partir do Google Maps. 

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