Roedores com diabetes do tipo 2 entram em remissão com injecção no cérebro
Injectada uma hormona que actua em circuitos cerebrais responsáveis pela regulação dos níveis de glicose no sangue. O artigo com os resultados das experiências foi publicado esta segunda-feira na revista Nature Medicine.
O método usado é, no mínimo, impressionante. Uma única injecção no cérebro com uma hormona que produz um efeito duradouro de remissão de diabetes do tipo 2. O resultado parece promissor: uma redução dos níveis de glicose no sangue e uma remissão da doença por um período de tempo prolongado. A experiência foi feita com ratos e ratinhos mas os cientistas sugerem que este tratamento poderá até vir a resultar em humanos com a administração desta hormona por via nasal. Para já, esta investigação norte-americana abre perspectivas para novas estratégias terapêuticas para uma doença que depende sobretudo de tratamentos com insulina.
O alvo dos investigadores era o elevado nível de glicose no sangue em ratos com diabetes do tipo 2. A estratégia de ataque usada foi uma única injecção no cérebro e a munição foi uma hormona (o factor 1 de crescimento de fibroblastos, ou FGF1) que actua em circuitos cerebrais que, por sua vez, regulam os níveis de glicose no sangue.
Porém, o tratamento de dose única teve sucesso apenas em roedores com casos moderados de diabetes e o mecanismo de actuação desta hormona que existe no cérebro humano não ficou totalmente esclarecido. Ainda assim, no artigo publicado esta segunda-feira na revista Nature Medicine, os investigadores concluem que “o cérebro tem um potencial inerente para induzir a remissão de diabetes e que os receptores cerebrais dos factores de crescimento de fibroblastos são potenciais alvos farmacológicos para atingir este objectivo”. O FGF1, explicam os autores do artigo, é sintetizado pelos neurónios e por outras células cerebrais e a administração desta hormona directamente no cérebro pode aumentar as capacidades de memória e aprendizagem, bem como, reduzir o apetite e limitar o risco de enfarte ou doenças neurodegenerativas.
Jarrad Scarllett, primeiro co-autor do artigo e investigador Hospital Pediátrico de Seattle, no estado de Washington, adiantou ao PÚBLICO, por email, que um dos próximos passos da investigação será "identificar e caracterizar os circuitos neuronais específicos que são activados com a injecção central de FGF1".
Ao contrário da diabetes de tipo 1, que surge porque o pâncreas deixa de produzir a insulina necessária para “transformar” o açúcar em energia e que afecta sobretudo crianças e jovens, no tipo 2 a produção de insulina é insuficiente e pode afectar qualquer pessoa, estando associada a um estilo de vida sedentário, maus hábitos alimentares e excesso de peso. Nos dois casos, as consequências são níveis elevados de glicose no sangue que têm de ser controlados. Segundo o comunicado de imprensa da revista Nature, estudos anteriores já tinham demonstrado que injecções da mesma hormona (FGF1) conseguiam produzir um efeito antidiabético em ratos. No entanto, nesses estudos as injecções eram por via intravenosa e para obter esses resultados eram precisas repetidas e elevadas doses da hormona. Por outro lado, a remissão da diabetes (quando acontecia) durava pouco tempo.
A equipa de investigadores dos EUA (liderada pelas universidade de Washington e de Pensilvânia mas que envolveu outras instituições) experimentou os efeitos de uma só injecção mas directamente no cérebro dos roedores com diabetes de tipo 2. E o que os investigadores descrevem no artigo é que conseguiram normalizar os níveis de glicose no sangue dos roedores durante quatro meses, no mínimo. Mais precisamente: os níveis de glicose no sangue ficaram completamente normalizados em sete dias e permaneceram em valores considerados normais (abaixo de 200 miligramas por decilitro de sangue) durante as 17 semanas seguintes. O estudo foi concluído às 18 semanas.
O resultado, dizem, é independente da alimentação ou do peso dos roedores. No artigo, os investigadores explicam as várias experiências feitas com diferentes grupos de controlo, para concluírem que o tratamento resulta em vários modelos (animais obesos por factores genéticos ou dietas e animais com diabetes de tipo 2). Outra coisa: “Um aspecto notável da redução dos níveis de glicose induzida pelo FGF1 é que apenas ocorre em hiperglicémicos e não afecta animais não diabéticos.” De resto, na resposta por email, Jarrad Scarllett acrescenta que, no que se refere a efeitos secundários, a administração de FGF1 "produz um resposta anorexica que se prolonga por 24-48 horas com perda de peso associada". Uma reacção que, segundo o investigador, também foi observada nos estudos feitos antes com recurso a injecção intravenosa periférica. Porém, ressalva, "os animais recuperam totalmente dessa perda de peso depois daquela resposta aguda ficar resolvida".
Em conclusão, escrevem os autores do estudo, “registámos que a administração central de FGF1 desvenda uma capacidade inerente do cérebro para induzir uma remissão sustentável da diabetes”. Ou seja, os resultados sugerem que o cérebro é capaz de influenciar e controlar a glicose no organismo. Isso, sublinhe-se, ficou demonstrado com injecções no cérebro dos ratos.
Dado que os investigadores confirmam que uma administração intravenosa (no sistema venoso periférico) não tem um efeito suficientemente eficaz ou duradouro para ser encarada como uma terapia alternativa, como é que este conhecimento pode eventualmente ser levado até à prática clínica? “A relevância translacional desta descoberta é suportada pelo facto de a administração de FGF1 no sistema nervoso central ser exequível pela via intranasal”, respondem os investigadores salvaguardando, no entanto, que é necessário fazer mais estudos para determinar se este tipo de estratégias pode, de facto, ser usada para promover a remissão de diabetes nos humanos. Até porque, avisam, injectar FGF1 pode levar a mudanças estruturais no cérebro, que precisam de ser exploradas em futuros estudos.
"No nosso estudo, os ratinhos que receberam uma injecção no cérebro de FGF1 registaram um aumento dos níveis hipotalâmicos de uma proteína envolvida nas sinapses (sinaptofisina)", refere Jarrad Scarlett, adiantando que é preciso analisar com mais detalhe estes efeitos.De resto, o investigador está confiante de que os resultados deste trabalho serão úteis para novas terapias nas pessoas. "Agora que a capacidade de indução de um remissão duradoura da diabetes pelo cérebro foi demonstrada, nós e outros grupos de investigação podemos centrar o nosso trabalho na identificação e caracterização dos circuitos cerebrais relevantes para mediar esta resposta. Quando isso acontecer, será possível desenvolver agentes terapêuticos que tenham esses circuitos com alvo para promover a remissão de diabetes em humanos."
Em Portugal mais de um milhão de pessoas entre os 20 e 79 anos têm diabetes e há dois milhões em risco de desenvolver esta doença.
Notícia actualizada às 12h00 de 24 de Maio de com as respostas do investigador Jarrad Scarlett ao PÚBLICO.