Candidato que defende esquadrões da morte pode ser Presidente filipino
Rodrigo Duterte não tem papas na língua. Defende as execuções sumárias e disse que gostava de ter violado uma freira que foi morta. Mas porque é um outsider, para muitos filipinos é o rosto da mudança.
Parece que entrámos na era da língua afiada na política. Enquanto os Estados Unidos se adaptam ao avanço de Donald Trump, as Filipinas, sua ex-colónia e aliada de longa data, está a assistir ao avanço do seu próprio fenómeno populista, o candidato presidencial Rodrigo Duterte.
Duterte conduz uma moto, faz graças sobre violações, e é o favorito nas presidenciais desta segunda-feira nas Filipinas, levando uma liderança sólida, mas ainda não garantida, sobre os seus rivais, com relações fortes à elite política e do espectáculo.
As eleições estão a ser sobretudo combatidas no campo das questões internas, como a criminalidade, a corrupção, a pobreza e os transportes. Estão em causa anos de avanços económicos consistentes, conseguidos durante a presidência de Benigno Aquino III.
Mas Pequim tem aumentado a pressão para o controlo do mar do Sul da China e o Exército americano fortaleceu a sua presença no território filipino, fazendo com que a política internacional saltasse para a campanha. A votação terá implicações globais.
É fácil perceber porque é que se compara Duterte a Trump, [o presumível candidato republicano às presidenciais americanas]. Ambos se proclamam outsiders da política, gostam de falar sem papas na língua e usar expressões chocantes - defendeu publicamente esquadrões da morte. Ambos fizeram comentários misóginos. E ambos são extremamente populares.
Para muitos filipinos, Duterte é o candidato da mudança.
Há muito tempo que a política filipina é um assunto de família, com clãs oligarcas a dominar a vida pública e frequentemente, também a vida privada. O actual Presidente Aquino é filho de uma antiga Presidente. O sucessor que escolheu, Manuel Roxas, é neto de um antigo Presidente. Entre os possíveis vice-presidentes, está Ferdinand Marcos Jr., filho do antigo ditador do país.
Grace Poe, que há muito se perfilou como a maior rival de Duterte, é a filha adoptiva de uma das estrelas de cinema mais amadas no arquipélago. Antes de se tornar senadora, em 2013, viveu vários anos nos Estados Unidos.
Já Duterte vem do Sul, da zona menos desenvolvida do país, e passou mais de duas décadas à frente da cidade de Davao, em Mindanao, onde se diz que patrulhava as ruas numa Harley-Davidson, tentando combater o crime. Quando um jornalista da revista Time o visitou em 2002, Duterte estava a beber brandy com uma pistola de calibre .38 à cintura. Para os seus apoiantes, ele é diferente dos outros.
“Há uma persistente hostilidade entre os eleitores da classe média e da classe baixa contra a elite que domina a política e a economia, apesar do forte crescimento com Aquino”, comenta Joshua Kurlantzick, investigador do Sudeste Asiático do Council on Foreign Relations.
Os críticos interrogam-se sobre como a língua afiada de Duterte se vai traduzir em termos políticos. A sua posição dura contra a criminalidade é atraente para muitos eleitores, mas ele parece apoiar também a impunidade oficial, quando ameaça “matar todos” os suspeitos de crime, ou “brinca” dizendo que gostaria de ter sido ele “o primeiro” a violar uma freira australiana que foi morta num motim prisional em 1989.
Num relatório de 2015 intitulado “A ascensão do mayor do esquadrão da morte das Filipinas”, Phelim Kine, vice-director da delegação asiática da Human Rights Watch, traçava o historial de Duterte na aprovação de execuções sumárias para suspeitos de criminalidade. “A forma orgulhosa como Duterte pratica uma impunidade violenta deve ser o caminho para uma acusação, e não para um cargo político”, escreveu.
Um desafio internacional
O próximo Presidente das Filipinas tem um grande desafio pela frente: equilibrar as relações entre duas grandes potências, a China e os Estados Unidos.
A China reivindica a maior parte do mar do Sul da China, com base em mapas que se sobrepõem às zonas económicas marítimas reclamadas pelas Filipinas e outros países. As autoridades chinesas têm construído ilhas artificiais, corredores aéreos e portos [para além de instalar mísseis em algumas ilhas disputadas], e muitos temem que em breve começará a construir num novo local, o recife de Scarborough.
Esta construção de ilhas por parte de Pequim tem reaproximado as Filipinas dos Estados Unidos – para desagrado da China. Um novo pacto na área da defesa permite ao Exército americano construir instalações em cinco bases militares filipinas, e a um número cada vez maior de navios tem ancorado na antiga base americana de Subic Bay, não muito longe dos navios patrulha chineses.
Os detractores de Duterte têm em geral expressado algum apoio ao Governo de Aquino nas posições referentes ao mar do Sul da China, afirmando que apoiam a tentativa de Manila de desafiar a China através de um tribunal especial da ONU em Haia, em vez de uma pressão imediata para conversações bilaterais.
Duterte não tem sido claro sobre o que tenciona fazer caso seja eleito. Afirmou que poderia estar disposto a negociar directamente com a China, ou que poderia “pôr de lado” os diferendos, se Pequim, por exemplo, construísse comboios na sua terra natal. Caso isso não funcionasse, teria outro plano: ir de jet ski até ao recife de Scarborough e plantar lá a bandeira filipina.
Os seus comentário sobre a crise deixaram académicos de Manila preocupados. Jay L. Batongbacal, do Instituto dos Assuntos do Mar da Universidade das Filipinas, considera-os “perigosos”. A ideia de que o investimento numa grande infra-estrutura poderia resolver a disputa é “música para os ouvidos do Governo chinês”, comenta Richard Javad Heydarian, professor assistente da Universidade De La Salle e autor do livro Asia's New Battlefield: The USA, China and the Struggle for the Western Pacific.
Mas as palavras de Duterte apelam aos que têm muito a perder se os navios chineses continuarem a ir para sul. Domingo C. Cabacungan Jr., de 44 anos, é pescador na cidade de Infante, a leste do recife de Scarborough. Enquanto trabalha, tem sido perseguido pelas embarcações da guarda costeira chinesa. Diz que Duterte é o único candidato com força para enfrentar a China: “Tem um coração de pedra”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post