Acção de solidariedade aos activistas angolanos condena silêncio "conivente" da AR
Sessão de apoio aos activistas teve lugar poucas horas depois de Luaty Beirão ter anunciado nova greve de fome. Chumbo da Assembleia da República a uma moção crítica de Angola foi lamentada.
Foi há pouco mais de um mês que a Assembleia da República chumbou um voto de condenação às penas aplicadas aos 17 activistas angolanos acusados de "actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores". A luta do grupo que pôs o regime de José Eduardo dos Santos em xeque não foi esquecida, disseram os participantes numa sessão pública de apoio que juntou mais de 300 pessoas na noite de quinta-feira. Mas o comportamento "vergonhoso" do Parlamento português também não.
Para o historiador José Pacheco Pereira, “o chumbo é uma vergonha e mostra como Angola é uma doença portuguesa”. “É cómodo criticar as violações de direitos humanos na Síria, na Coreia do Norte, na Birmânia, mas quando são próximas o silêncio é regra”, lamentou o antigo deputado social-democrata. Pacheco Pereira não tem grandes esperanças numa transição democrática em Angola com os actuais líderes. "Isto não é uma etapa que conduza à democracia. O que existe é uma elite cleptocrática ligada à guerra. Estas pessoas não estão a construir nada."
Sobre a conduta de Portugal, o historiador está contra a passividade, porque aí "é que não acontece nada". "As relações Estado a Estado não impedem que sejam tomadas posições sobre direitos humanos".
As propostas do PS e do Bloco de Esquerda para que as sentenças aplicadas aos 17 activistas fossem condenadas foram derrotadas. Os chumbos foram justificados com o repúdio pela "ingerência" nos assuntos internos de Angola.
“Não há nada mais parecido com uma ditadura de direita do que uma ditadura de esquerda”, afirmou a eurodeputada do BE, Marisa Matias. O recado tinha destinatário: a bancada do PCP, que, a 31 de Março, se uniu ao PSD e ao CDS no chumbo ao voto de protesto contra a condenação dos activistas. A ex-candidata presidencial lamentou que “os símbolos dos libertadores [em Angola] se tenham tornado no símbolo dos carcereiros”.
A deputada do PS, Isabel Moreira, também apontou baterias ao chumbo no Parlamento português. “Que bom estar aqui hoje, 5 de Maio, e esquecer o 31 de Março”, começou por dizer, ao lembrar quais as bancadas que votaram contra. Pelo auditório repetiam-se gritos de “vergonha”. “A este silêncio chama-se conivência”, disse a socialista.
O chumbo da AR é "lamentável" para o ex-líder do BE, João Semedo, que, porém, diz que "o problema não está na assembleia, está em Angola". "O Governo [português] e o Presidente cumpriram os mínimos; tiveram uma posição onde aquilo que sobrou em diplomacia faltou em clareza de posições", defende.
O fundador do Livre e ex-eurodeputado, Rui Tavares, considera que "a opinião pública portuguesa não está alinhada com a posição de pôr os interesses à frente dos princípios", no que diz respeito às relações com Angola. E compara mesmo a situação dos activistas à dos opositores portugueses durante o Estado Novo. "Estão a lutar pelos mesmos direitos que os portugueses lutaram durante a ditadura." É por isso que considera importantes as acções que têm vindo a ser organizadas em Portugal de apoio aos presos angolanos. "Não há nada pior para quem está numa situação destas do que o esquecimento", conclui.
Mas não é só de manifestações e protestos que tem sido feita a solidariedade para com o grupo dos 17 activistas. Em Dezembro, a Tinta da China publicou Da Ditadura para a Democracia - Como derrubar uma Ditadura, o livro do cientista político norte-americano Gene Sharp que motivou as acusações contra os jovens. A editora Bárbara Bulhosa considera que a publicação deste livro em português, "para ser lido em Portugal e em Angola", é ela própria uma manifestação de activismo. A obra já vendeu 1300 exemplares e a editora já tem dois mil euros para enviar para as famílias dos detidos.
A notícia de que o rapper luso-angolano Luaty Beirão iniciou nova greve de fome pairou durante toda a sessão. A irmã, Serena, subiu ao palco do auditório do Fórum Lisboa para explicar os motivos que levaram o activista a privar-se de comida, de roupa e de palavras.
Beirão recusou-se a ser transferido da cadeia de Viana para o hospital-prisão de São Paulo e só forçado pelos guardas prisionais acabou por sair. “Ele não queria sair da cadeia de Viana porque ainda tinha casos a denunciar. Transferir para o hospital-prisão é um privilégio que eles nunca quiseram.”
Pedro Coquenão, amigo pessoal de Luaty Beirão, subia ao palco pouco depois de saber da decisão do activista. "É mais uma forma de luta, se não estas coisas vão-se entranhando e normalizando", explica. O apoio vindo de Portugal tem sido decisivo para os activistas, garante. "Estar na prisão e saber que ninguém sabe do que se passa deve ser uma loucura."